“O resto é silêncio” — frase de Hamlet, no final da peça, após viver muitas dores, conflitos e intrigas.
Quando escrevo um texto, um poema ou conto histórias estou a cumprir uma missão. Vir ao muro, deixar postais ou gravuras tem um propósito.
Nascemos para criar laços, humanizar sentimentos humanos, universalizar emoções, estabelecer comunidades.
Estamos cada vez mais sozinhos e a evolução só se ergue do chão porque criamos laços. E a evolução ainda vai no adro.
O nosso cérebro evoluiu com o uso da inteligência tradicional de ter de apanhar bagas, frutos e animais que nos alimentassem, por sobrevivência, para fugirmos de animais perigosos, até à incrível imaginação de construção de impérios envoltos em planos de política geo-estratégica, com engenharia tecno-financeira complicada. Chegámos ao actual excesso de informação, sem que haja necessariamente mais conhecimento e formação (já tantos neurocientistas e outros artistas nos avisaram).
O cérebro apanhador de bagas está confuso e com excesso de bagagem.
Descomplicar, para não perdermos a essência da nossa humanidade, parece-me um propósito muito útil. Só fazer o que podemos e conseguimos entre os da nossa tribo parece-me bastante. Não ter medo de experimentar viver intensamente devagar, parece-me suficiente. Não ter medo de existir, partilhando oxigénio com outro humano, parece-me profundamente sábio.
Ver como trapaceiros sociopatas os mercenários (políticos e os excessivamente ricos e poderosos), que nos corrompem para nos dividirmos e matarmos uns aos outros, é ser dono dessa inteligência tradicional e fazer uso do cérebro colhedor de bagas contra os animais perigosos.
Esses são os inimigos da evolução humana. O perigo para a sobrevivência.
Construir laços, comunidade e partilha são as razões para sermos uma espécie carregada de valor.
Porque sempre que um de nós morre, o resto é a sua história, a sua dor, a sua vulnerabilidade, os seus conflitos, as suas emoções e sentimentos universais. Por isso os partilhamos.
– “Ei, tu aí, ouve o meu silêncio, nele está o que te conto, não estás sozinho”. Porque o que resta no descanso final é o silêncio.
Vem esta arenga a propósito do ódio e da divisão instalados que leio e ouço nos comentários, nas conversas, seja sobre que assunto for, em que país for, aqui, nos cafés, nos tvde’s, nos jornais e lugares por aí, vindos de cérebros colhedores de bagas (como denomino os que me tentam impingir os benefícios de um culto).
Se alguém ler esta gravura e nunca mais se envolver numa discussão emocional em defesa de mercenários: “o melhor é este” versus “este é melhor” ( ou variantes), ou ainda “ a minha classe é melhor que a tua” – uma vez que neste sistema de castas estamos quase todos na inferior – sem se perguntar “cui bono”, estará finalmente a beneficiar o seu cérebro. Que evoluiu de simples apanhador de bagas a pensador crítico.
Ou simplesmente a ser um louco sem patologias, comprometido com uma missão de vida.
Anabela Ferreira


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