Homens de fato e gravata

Há uma teoria barata que espelha a civilização triste que se desenrola na arena do circo sem pão, onde dança a maioria dos soldados rasos como nós. Apenas queremos viver em paz, a experimentar a curta e frágil existência. 

Seja o homem do Bangladesh que me traz a comida a casa na larga mochila que carrega às costas, e no final do mês vai à loja dos dinheiros enviar a transferência à família pobre, para no final da sua curta história morrer às mãos de portugueses munidos de facas que o odeiam. 

Seja a mulher guineense a quem com outras palavras o médico do SNS português, cujos antepassados estiveram naquela que consideravam terra deles até há cinquenta anos, e agora apontam a dedo: ” vão para a vossa terra”, mandando-a para a morte aqui nesta que, também deveria ser a terra deles por quinhentos anos sob a lei do quid pro quo. 

Mas não interessam nada,  são só gentios, indígenas, pretos e imigrantes. Como os palestinos. Não são gente, eles são sim os culpados da sua sorte. 

Não os homens de fato e gravata.

Vivemos numa imensa favela com o céu a rodear-nos. 

Não produzimos armas nem drogas, não pagamos para corromper nem sujamos as mãos com manchas de sangue da corrupção, nem lavamos o dinheiro sujo, nem o escondemos. 

Somos escravizados a quem obrigaram a viver dentro de todas as frigideiras de óleo quente: sem educação, saúde, justiça, pão. É ver-nos saltar em busca dessas maravilhas, qual Alices a escorregar pelo buraco. 

A liberdade é a cenoura em frente do nariz humano. Apenas uma promessa. Sempre a fingir.

Entraram os homens de fato e gravata, mandaram disparar as armas e o sangue foi jorrado. Ganha a morte. 

Ganha o ódio, ganha o inimigo que não o é. O preto, o favelado, o imigrante. Em Lisboa, em Bissau, no Rio, em Bengali, os favelados são todos iguais. Os inimigos.  

Os homens de fato e gravata riem-se, ainda a peça não acabou. Estão com o cio. E mostram-no.

Este tempo é o chão fértil onde deitaram sementes, hoje colhem ódio. O passado fala, nós somos surdos. 

Depois de massacrarem os índios originais do Rio, as favelas foram e são o sítio do lixo. Mandaram para lá o preto, quando a lei acabou com a escravatura. 

Mas o ódio contra o escravizado ficou nas mentes e no coração. 

O homem de fato e gravata ficou com as terras e para si fez os condomínios de luxo.

Em Portugal, colonizaram por quinhentos, os homens de fato fizeram dos sítios um lixo, vivem no luxo, e hoje, sem descolonizar, nem tornar o racismo crime na lei,semearam a confusão. 

Fizeram  outros quinhentos em Portugal e nas terras por onde passaram. 

O que faz o homem de fato? Esquece o passado, faz-se surdo às vozes. 

No Brasil mata se for de cor, sem ver o rosto. Em Portugal aponta ao que diz ser defeito da cor. No saco mete o pobre, gentio, imigrante. O inimigo perfeito. Ele mesmo, o pobre, gentio, imigrante. 

A teoria barata da psicologia? 

O homem do fato e gravata plantou tanto ressentimento, medo, rancor e frustração, está agora pronto para a colheita. Ao alimentar os ressentidos, os rancorosos, os cheios de medos, os mal resolvidos, os profundamente azedos, deu-lhes comburente. Não soluções. 

É lê-los nos comentários. Ou nos cafés. São baratas a saírem dos esgotos.

Em todos os lugares do planeta. 

A cadela está autorizada finalmente a ser ouvida, na sua voz até então escondida. 

O racismo e o histrionismo na casa da República dá voz à “cadela com o cio”. 

Esta agradece, avança e vence. 

Só há uma forma de não tolerar os intolerantes: proibindo-a de entrar na vida em comunidades humanas. Sabemos pelas vozes do passado os estragos que faz.

O Brasil, na América do Norte, e por toda a Europa neste momento padecemos do mesmo mal. Isto está tudo ligado. Estamos todos ligados. Importamos o mal como um vírus. 

Os homens de fato e gravata estão com o cio. E nós estamos fodidos. 

Obrigada Dr Garcia Pereira por ter interposto uma queixa contra o partido da cadela com o cio. É o cravo encarnado simbólico de Abril. É desta forma que se combate. Radicalizando a democracia e o Estado de direito. 

A essas baratas eu digo “voltem para o bueiro, esse esgoto de onde nunca deviam ter saído. Essa é a vossa terra.” 

A minha é esta e as outras. 

Somos a Thelma e a Louise a caminho do abismo. O aniquilamento do racismo e da intolerância é o único caminho para começar a travar este carro desgovernado.

Anabela Ferreira

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