
Na noite de 10 de junho de 2025, dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, o meu amigo, o actor Adérito Lopes à porta do Teatro A Barraca, foi brutalmente agredido por um bando de neonazis, uma vara de porcos porque os porcos só o são em varas, isolados nem para encherem chouriços servem. O ataque foi premeditado, violento e cobarde. Um murro traiçoeiro causou-lhe lesões oculares sérias e um corte profundo no rosto que obrigou ao seu internamento. Os agressores, envolvidos numa manifestação com slogans como “Portugal aos Portuguezes”, “Defende o teu sangue” e “Remigração já!”, fugiram. Um dos membros da vara de porcos, com apenas 20 anos, foi identificado. A polícia chegou tarde. O silêncio institucional foi e é, como tantas vezes, ensurdecedor.
Este ataque ocorreu no mesmo dia em que se assinalavam 30 anos sobre o assassinato de Alcindo Monteiro, morto em Lisboa por um outro bando neonazi a 10 de junho de 1995. A coincidência não é exclusivamente trágica, é também política. Três décadas depois, o racismo violento e organizado continua a agir impunemente nas ruas e a contaminar o discurso público. Portugal continua a falhar.
Escrevo como cidadão, escrevo também como amigo. A imagem do Adérito, homem generoso e actor admirável, ensanguentado no chão de Lisboa, não me sai da cabeça. O que lhe fizeram é pessoal, mas o significado do que lhe fizeram é estrutural.
A responsabilidade não é exclusiva dos agressores
É preciso afirmá-lo com todas as letras. O ataque a Adérito Lopes não é um acto isolado, é o sintoma de uma doença com raízes políticas, alimentada por discursos cada vez mais radicais, impunes e cúmplices.
O Chega e o seu líder, André Ventura, têm sido os principais normalizadores da retórica de ódio racial e étnico em Portugal. As ideias de “remigração”, “substituição étnica”, “limpeza da nação”, ou “defesa da identidade portuguesa” não são opiniões inocentes, são adaptações modernas de narrativas fascistas que desumanizam comunidades inteiras e legitimam a violência. São fórmulas envernizadas de supremacismo branco. Estas formas, quando repetidas por deputados, em direto na televisão, adquirem força e consequência.
Quando o Chega propõe que filhos de imigrantes nascidos em Portugal percam o acesso à nacionalidade, quando Ventura fala de “invasão muçulmana” ou insinua que negros e ciganos vivem “à custa do Estado”, quando o partido se associa a movimentos como os Reconquista ou os nacionalistas franceses e espanhóis da Alt-Right europeia, está a dar palco, corpo e linguagem à ideologia que atacou Adérito.
É este o problema central, a linha entre o discurso e a violência já foi cruzada.
E o Estado? Onde está o Estado?
Portugal tem, em teoria, legislação para combater o racismo e a organização de grupos fascistas:
O artigo 240.º do Código Penal prevê penas até 8 anos para crimes de incitação ao ódio e discriminação racial, a Constituição proíbe expressamente organizações de ideologia fascista e racista, a Convenção Europeia dos Direitos Humanos obriga à defesa da dignidade humana como valor superior.
Mas na prática, pouco ou nada se aplica. Não há criminalização da negação do Holocausto, a exibição de símbolos nazis não é proibida, o uso da suástica em público raramente tem consequências e, mais grave ainda, os movimentos neonazis como os Hammerskins, Reconquista ou 1143 continuam a operar com quase total liberdade, nas redes sociais, nas ruas em todos os locais que lhes apetece e quando lhes apetece.
A extrema-direita sabe que tem espaço, sabe também que tem cobertura mediática, institucional e judicial. Há, no mínimo, uma tolerância estrutural, no máximo, uma cumplicidade tácita.
O que fazer: sete propostas concretas
Criminalizar a negação do Holocausto e os símbolos nazi-fascistas, à semelhança da Alemanha, França ou Bélgica. Responsabilizar legalmente titulares de cargos públicos que promovam ou disseminem discurso de ódio, aplicar efetivamente o artigo 46.º da Constituição, ilegalizando organizações fascistas e racistas.
Criar um observatório independente sobre o extremismo de direita, com competências para investigação e alerta precoce. Educação obrigatória para a memória histórica, fascismo, racismo, colonialismo e resistência antifascista devem fazer parte dos currículos.
Remover conteúdos neonazis e racistas das redes sociais, com imposições legais às plataformas.
Formar magistrados, procuradores e polícias em crimes de ódio e extremismo violento e, simultaneamente limpar as fileiras de elementos extremistas que por elas militam
Estas medidas não são radicais. São democráticas. E tardam.
A memória como aviso
Há 30 anos, Alcindo Monteiro foi morto por um bando de neonazis em pleno Bairro Alto, foi preciso o seu corpo tombar para que o país acordasse, por breves dias, para a realidade do racismo.
Ontem, 10 de junho de 2025, Adérito Lopes foi espancado na mesma cidade, por cobardes que repetem a mesma ideologia. Como há 30 anos, o país chocou-se. Mas por quanto tempo?
É preciso mais do que indignação. É preciso ação. O antifascismo não é uma posição ideológica, é uma obrigação constitucional. É a linha que separa a civilização da barbárie.
O que aconteceu ao Adérito podia ter terminado como Alcindo. Não podemos, nem queremos, permitir que se repita.
A pergunta agora é: vamos ficar à espera do próximo corpo?
Os Porcos crescem e ganham força, mas não triunfarão. O “Triunfo dos Porcos” de George Orwell é ficção e ficção terá de continuar a ser.
Adérito, um Forte e Solidário Abraço com a certeza de que nem um passo atrás será dado… Não passarão!
Jacinto Furtado
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