O Assédio (por Pedro Barroso)

São tempos de grande conturbação os que vivemos. Tempos de aparente grande liberalismo sexual. Tudo é permitido, supostamente. Mas nunca vivi um clima de tanta confusão nos valores, na ética e na tentativa de condução do meu sentir, da minha sexualidade e das minhas instaladas preferências.

Induz-se um quase medo genuíno do nosso direito a libido própria, por uma via proselitista radical. Tentando conduzi-la para lá da minha vontade, ou linha de pensamento. E muitas pessoas vacilam, por simples medo de serem consideradas botas de elástico, burras ou menos modernas. Ora eu, por exemplo, gosto de ser eu. Genuíno e directo. Amável ou sincero; espontâneo e grácil; bruto ou gentil. Grosso ou cavalheiro. Nas horas próprias. Verdadeiro.

As fronteiras do respeito evoluíram para padrões que já não sei. Desconheço-os totalmente. Nunca dei um piropo na rua a uma desconhecida. Não saberia. Iria ser um acto falhado, pífio, sem graça nenhuma. Nunca me encostei num metro a ninguém, que não fosse por imposição morfo-espacial. Mas dou por mim sem saber hoje como viver-me, ler-me ou verbalizar-me no comportamento perante o belo ou o sugestivo. Manifesta-lo, pode ser hoje acusação imediata de lubricidade pública. Depende do sentir – sempre muito subjectivo – do outro. Do momento sofrido ou bem-disposto q atravessa; ou da interpretação q os seus arquétipos culturais concederem ao meu modesto enaltecimento. Integrando-o como elogio inconsequente, ou como proposta indecente. E a essa perigosa variável, hoje, é melhor nunca concorrer, nem arriscar.

O piscar de olhos, estúpido e imbecil do JR dos Santos no fim do telejornal, por exemplo, para mim é assédio do pior. Um nojo. Eu nunca lhe retribuiria um olhar de desejo, nem de cumplicidade. Um dia denuncio-o.

Mas lá está – tudo depende. Para algumas pessoas, no deserto imenso e triste das suas solidões e desvairados universos pessoais… poderá ser um aconchego. Há gostos para tudo.

Se eu der um grito no momento certo e acusar a pessoa errada no sítio incerto, exibindo uma atitude equivoca ou meramente infeliz, eu posso rapidamente ser culpado de um desajuste passível de recriminação; ou até denúncia. De quê, não sei. Mas posso.

Não estou obviamente a falar de tentativas de corporalidade indesejada, nem contacto físico lascivo abusador, ou insinuação de desemprego “se não fizer o q eu quero”. Obvio q esse tipo de assédio nunca se admite. É simplesmente nojento. Está a tornar-se lamentável e epidémico o nº de mortes de mulheres sujeitas a ameaças, infelizmente confirmadas, de ex-esposos violentos. Ninguém pode defender isto; talvez apenas o outro maluquinho. O neto da moura.

Mas a fronteira neste momento, para mim, está muito mal marcada. Tempos aparentes de enorme liberalidade; e afinal, capciosa modéstia e indignação modal. Qqr pessoa se quiser, pode acusar outra, hoje em dia, construindo um edifício de putativo assédio, aos olhos de uma descricionalidade tendentemente corporativa. E ganhar a causa com alguma facilidade; mesmo que o esteja a fazer apenas por maldade, oportunismo, vingança ou exercício de força. E se souber relatar, denunciar e credibilizar a situação como entender. Ora é muito perigoso ter de conviver com isso.

Bom, amenizemos.

Um dia, há uns bons anos já, disse, perante a surpresa genuína duma vendeira de castanhas, que ela “tinha os olhos muito bonitos”. Disse-o, corrente e fluído, como quem diz “a sua terra é muito bonita”; ou “a sua comida estava muito boa”; ou “esta serra é tão bonita q me apetece ficar aqui para sempre”.

Coisas que eu digo. Sai-me. Aliás, já o disse a muitas pessoas, coisas sentidas assim no género, e que são meros eflúvios da apreciação e admiração casual, nada mais. Mas, depois do espanto, em que a mulher ainda abriu mais os olhos, aliás esplendidos e hipnotizantes, veio um sorriso. Triste, mas sorriso. E fiquei mais descansado. Não levara a mal. Já um dia, disse a um cavalheiro, num leilão em Lisboa, lembro-me bem, que ele tinha uma gravata muito bonita; e, para meu enorme embaraço, elegante e simpático, o homem não é que tirou de imediato a gravata e …ofereceu-ma? Ora bem. Uma vergonha assim, foi bem-feita; mas enfim, sou isto… Eu; que nem nunca usei gravatas…
Resumindo.

Tentam diariamente canalizar-nos a preferência para uma sexualidade constante, alternativa, fresca e liberal por um lado; e obstaculiza-se o saudável, doce e quase ingénuo exercício da sedução, por outro.

Tanto quanto sei, o meu pai, ao vir estudar para Lisboa, tentou falar com a menina minha mãe durante meses. Sem levar uma palavra de troco. Foi assédio? Foi. E bem chato. Mas se não tivesse sido, eu não existia. Portanto…

Como admitir que te desejo? Como comunicar-te que te quero, sem levar com o ónus de um olhar sobranceiro, ou um provável sopapo do segurança mais próximo? Não sei.

Deixei de saber. O olhar severíssimo, duro e intimidante das manas Mortágua assusta-me. Até tremo. Sou uma pessoa sensível. Nao tenho culpa.

Se fosse assim, noutros tempos… teria ficado monge.

(Texto publicado originalmente por Pedro Barroso na sua página Facebook)

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