COM A INVEJA, LIDA-SE COM DISTANCIAMENTO, IGNORANDO-A E DANDO A IMPRESSÃO QUE NÃO SE DEU POR ELA!
A inveja é uma emoção antiga, complexa e, na maioria das vezes, profundamente destrutiva.
Distingue-se por um sofrimento interior que decorre da percepção — muitas vezes distorcida — de que outro possui algo que se deseja, seja esse algo material, emocional ou simbólico. Essa emoção pode surgir de forma subtil ou violenta, mas raramente passa despercebida a quem tem sensibilidade apurada para captar a sua presença.
Do ponto de vista psicológico, a inveja surge muitas vezes associada a sentimentos de inferioridade, insegurança e baixa auto-estima. A inveja, vejo-a como uma emoção primitiva, enraizada nas fases iniciais do desenvolvimento psico-emocional do ser humano. A criança inveja o adulto como símbolo de emancipação e plenitude de acção naquilo que às crianças está proibido, ou que não possui, e esta emoção pode persistir, inconscientemente, ao longo da vida adulta, sendo projectada em diversas situações.
Neurológicamente, pelo que me foi chegando ao conhecimento e pelo que pude pesquisar, estudos com ressonância magnética funcional demonstraram que a inveja activa regiões do cérebro ligadas à dor física, como o córtex anterior.
Ou seja, sentir inveja dói literalmente.
E a dor é ampliada pela comparação social — mecanismo muito presente nas redes sociais, por exemplo — onde a exposição constante à “vida ideal” dos outros, que quase nunca é “real”, alimenta essa corrosão interna.
Mas talvez o mais triste na inveja não seja o sofrimento que ela causa, mas o facto de este raramente ser reconhecido por quem o sente.
Sempre assim procurei ter bem presente: tentar corrigir ou apontar a inveja a quem a manifesta é, quase sempre, inútil. A inveja é defensiva por natureza, e a sua denúncia pode ser interpretada como uma agressão. O invejoso reage muitas vezes com negação, ironia, cinismo ou até raiva — exactamente porque o sentimento toca numa ferida emocional que a pessoa não consegue admitir, sequer a si própria.
Responder com indiferença é uma forma sábia de lidar com a inveja alheia.
O silêncio, o não confronto, permitem que o tempo vá atenuando essa emoção tóxica. Muitos invejosos, quando não encontram eco ou alvo para os seus sentimentos, acabam por se desinteressar ou por redireccionar a sua atenção para outras “fontes” de frustração. A indiferença actua, neste sentido, como uma barreira silenciosa e eficaz.
Importa também considerar que a inveja raramente vem só. Traz com ela o ressentimento, o desejo de desvalorização do outro, a sabotagem subtil, e até a calúnia. É por isso que, numa acepção mais filosófica e ética, a inveja representa um atentado à dignidade humana. Rebaixa quem a sente, obscurece a lucidez moral e impede o florescimento das virtudes humanas mais nobres — como a admiração, a inspiração e a gratidão.
Por fim, a pessoa verdadeiramente inteligente, emocionalmente madura, não sente inveja — sente admiração. Admiração é o reconhecimento da grandeza do outro sem o desejo de o destruir. E isso, por si só, é um sinal de nobreza interior. Quem sente inveja, pelo contrário, é como alguém que, ao ver uma flor bonita num jardim alheio, prefere pisá-la em vez de cultivar a sua própria.
A educação emocional, sobretudo nos primeiros anos de vida, é fundamental para prevenir que sentimentos como a inveja se instalem e se tornem crónicos.
Educar para o auto-conceito positivo, para a aceitação da diferença, para o valor do esforço próprio — são algumas das bases que poderão atenuar esta sombra antiga da alma humana.
Em suma, a inveja é um fardo para quem a sente e uma ameaça silenciosa para quem a recebe. Merece compaixão, sim, mas também prudência. E, sobretudo, distância.
Carlos Pereira Martins
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