Na sequência da II Guerra Mundial, a “Doutrina Truman” e o Plano Marshall foram os pilares de uma política concebida pelos Estados Unidos para concretizarem uma clara colonização política, económica e militar da Europa Ocidental. A Doutrina Truman definiu os pressupostos da política externa dos Estados Unidos, com o objetivo de combater o comunismo à escala global no contexto da Guerra Fria, oferecendo apoio político e económico a países que aceitassem ser protegidos dessa considerada ameaça. As principais consequências da Doutrina Truman foram o Plano Marshall e a criação da NATO.
A II Guerra Mundial deixou a maior parte dos países europeus com muitas cidades e as infraestruturas destruídas, as suas economias devastadas e muitos dos seus cidadãos na miséria. Durante a década de 1930, após a grande crise de 1929, Franklim Roosevelt liderou a reorganização da economia americana, aumentando substancialmente os gastos federais e realizando grandes investimentos públicos.
A guerra determinou um enorme aumento da produção industrial, muito centrada na indústria do armamento. Quando a guerra acabou, os Estados Unidos surgiram como a grande potência mundial, tanto mais que o seu país tinha ficado intacto com a guerra. Com esta situação, os produtos e bens americanos, bem como os armamentos, invadiram o território europeu e deixaram os países europeus reféns das vultuosas dívidas acumuladas.
A destruição da Europa permitiu que o Plano Marshall fosse o instrumento para um gigantesco negócio para os Estados Unidos, permitindo, ao mesmo tempo, assegurar-lhe uma maior supremacia política e económica num novo contexto da ordem mundial. O designado projeto europeu surgiu em plena guerra fria, em 1957,com a assinatura do Tratado de Roma por 6 países europeus, que constituíram a CEE (Comunidade Económica Europeia). Em 1993, passou a designar-se União Europeia.
Importa ter presente, que a criação da CEE foi inicialmente apresentada como uma instituição de carácter económico, mas naturalmente não estava desligada da lógica dos 2 blocos político-ideológicos de então. A enorme competição com os países do leste europeu, alinhados em torno da então União Soviética, conduziu ao desenvolvimento de políticas sociais, também como resultado das lutas sindicais e de outras organizações de trabalhadores.
Tendo em conta esta situação geral, durante esse intervalo, o projeto europeu foi sendo referenciado como a Europa Social, visando desenvolver o Estado Social e promover um crescente bem-estar das populações europeias. Estas promessas foram rapidamente abandonadas com a implementação hegemónica das políticas neoliberais a partir de 1980. Estas políticas tiveram como objetivo indiscutível iniciar o desmantelamento do Estado Social. Desde a II Guerra Mundial, o grande objetivo económico e político dos Estados Unidos foi transformar os países da Europa ocidental em vassalos, impondo-lhes desde a década de 1980 as políticas neoliberais de desindustrialização e o desmantelamento do Estado Social, de modo a deixar os europeus completamente reféns da sua ação global.
A crise de 2008/2010 veio mostrar com plena evidência os truques de ostensiva manipulação de vastos setores de opinião pública ao terem convertido a dívida privada em dívida pública, obrigando os cidadãos de diversos países a salvarem os bancos e os seus acionistas das suas aventuras gestionárias, deixando-os impunes perante a justiça. O BCE (o Banco Central Europeu) e a grande maioria dos governos europeus deixaram de falar na crise do capitalismo e passaram a desenvolver intensas ações de propaganda atribuindo aos cidadãos as culpas da crise por “viverem acima das suas possibilidades”.
As políticas de austeridade aplicadas visaram, sobretudo, aplicar uma estratégia de dominação para impor uma mudança do modelo social europeu, através de políticas de destruição do Estado Social e da generalização de sucessivas medidas de privatização do sistema económico e social. No fundo, temos vindo a assistir à americanização do espaço europeu.
A Comissão Europeia e o BCE transformaram-se numa imensa máquina de privatização e destruição do Estado Social. A própria criação do euro foi apresentada exaustivamente como geradora de milhões de empregos e uma medida indispensável para impedir a continuação da dominação ruinosa da Europa pelo dólar. Ao longo dos anos, temos verificado que a realidade tem sido muitíssimo diferente e que, afinal, o euro não foi mais do que o marco alemão sobrevalorizado. Durante 30 anos, a UE foi alegremente deslocalizando as suas produções, de modo a produzir mais barato e mantendo uma reserva da força de trabalho em modo de desemprego estrutural.
Por outro lado, foi prestada muito pouca atenção à investigação e inovação permitindo uma importante fuga de cérebros para diversos países, especialmente para os Estados Unidos, que, em conjunto, tiveram um enorme impacto negativo nas economias europeias e no seu crescimento produtivo. A nível dos mais variados indicadores económicos e sociais, a UE foi entrando num fosso cada vez maior em relação a vários países com economias emergentes e mostrando uma incapacidade gritante para enfrentar os novos desafios e para formular as soluções adequadas.
No plano político-ideológico, o objetivo fundamental foi criar um “centrão” entre conservadores e social democratas, de forma a assegurar o desenvolvimento, com poucos sobressaltos, das políticas neoliberais Por exemplo, a ação de Tony Blair, na Grã-Bretanha, em diversas áreas sociais conseguiu suplantar as políticas destruidoras de M. Thatcher.
Tony Blair e Gerhard Schroder, social democratas, juntamente com o presidente americano, Bill Clinton, criaram o embuste político da chamada terceira via, cujo objetivo nuclear visou levar ao extremo as políticas de privatização dos serviços públicos nas áreas mais rentáveis para as multinacionais. O nome escolhido de terceira via teve também como propósito iludir as opiniões públicas dos vários países, tentando persuadi-las de que se tratava de um modelo alternativo ao neoliberalismo e a meio caminho entre os excessos de direita ou de esquerda. Esta convergência baseava-se numa linha de propaganda que difundia que os mercados, por si mesmos, livres de regulações e com menor intervenção do Estado iriam conduzir a uma situação de prosperidade para todos.
A crise de 2008/2010, veio revelar com grande dramatismo social e humano que isso era um rotunda mentira, levando quase ao colapso do sistema financeiro internacional. A zona euro enfrenta problemas estruturais como a falta de capacidade industrial, capacidade energética e capacidade competitiva. Tudo isto não é alheio à enorme mediocridade das elites dirigentes europeias que não conseguem definir um plano, uma estratégia e são meros funcionários sem contacto com a realidade concreta que atinge as condições de vida e de dignidade dos cidadãos europeus. A sua vassalagem deprimente em relação aos Estados Unidos, colocaram a UE numa situação muito delicada: sem exército próprio; sem capacidade industrial nem económica para o suportar, com uma situação económico-financeira em franca recessão; sem matérias-primas próprias; e relegada tecnologicamente por outras economias como a chinesa, japonesa e indiana.
A UE, afinal, o que tem para oferecer aos povos europeus?
É que não existe um povo europeu. Existem vários povos europeus, cada qual com a sua cultura, com a sua língua, com as suas tradições, com as suas vivências históricas e, naturalmente, com interesses muito diversificados e até contraditórios. Desenvolver uma política de harmonização, não é o mesmo que dispor de uma atitude federalista. A UE não dispõe de uma liderança prestigiada nem de uma estratégia para conduzir um projeto europeu.
A ausência de políticas sociais e o aumento da pobreza, do desemprego e a falta de perspetivas de uma vida digna, têm contribuído decisivamente para o aumento da influência da extrema-direita e dos grupos neofascistas na maior parte dos países europeus.
Com as novas derivas belicistas das instâncias dirigentes da UE, que perspetivas se colocam ao futuro da Europa?
Mário Jorge Neves
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