O Trump é maluco?

Mário Jorge Neves (Foto FNAM)

Quando foi declarada a pandemia pelo Covid 19, apareceu uma “multidão” de epidemiologistas que todos os dias ocupavam os órgãos de comunicação social, emitindo abundantes “certezas”, quando estávamos perante um agente infecioso novo e do qual ainda pouco se sabia. Quando a Rússia invadiu a Ucrânia, também surgiram “ especialistas “ em múltiplas áreas: ciência politica, relações internacionais, geopolítica, diplomacia, etc. Agora, com Donald Trump, as múltiplas análises centram-se nas suas peculiaridades pessoais, considerando-o imprevisível, errático, um negociante, um megalómano e um político da improvisação, mas sem nunca abordarem as razões que determinam as suas medidas e posições politico-económicas.

A eleição, pela segunda vez, de Trump para presidente dos Estados Unidos, significa a necessidade inadiável de uma reestruturação político-económica deste país devido ao declive da sua hegemonia internacional, à instabilidade do seu regime e à necessidade de criar uma classe capitalista mais concentrada para assegurar um controlo mais centralizado de todo o aparelho de Estado. Apesar de este político ser um apaixonado pelo circo mediático, que adora viver num espetáculo permanente perante as câmeras de televisão, Trump não é um louco que, de repente, decidiu impor sanções económicas a quase todos os países.

Trump está a fazer todos os esforços para salvar os Estados Unidos de um colapso a médio e longo prazo. A dinâmica do capitalismo internacional está a estrangular os Estados Unidos. O êxito dos Estados Unidos deveu-se durante largas décadas ao facto de dispor de uma grande indústria, de um grande exército e de amplos recursos. Estas situações alteraram-se substancialmente nas últimas décadas.

Durante 40 anos, as empresas multinacionais dos Estados Unidos, da Europa e do Japão, deslocalizaram as suas operações produtivas para outros países, nomeadamente asiáticos, onde a mão-de-obra era barata, os sindicatos debilitados e sem legislação regulatória. O que aconteceu é que esses países, utilizando a tecnologia mais evoluída, industrializaram as suas economias e ganharam quotas de mercado no fabrico e nas exportações, deixando os Estados Unidos com as áreas financeiras e de serviços.

Torna-se evidente, que os Estados Unidos perderam a batalha da globalização económica para outros países, como é o caso da China. Trump e o governo norte-americano querem restaurar a base produtiva dentro do país, procurando com esta guerra comercial trazer de volta capital aos Estados Unidos, criando diversas imposições para que as empresas estrangeiras invistam na construção de fábricas no seu território. Grande parte das suas importações provêm de empresas norte-americanas com sede em diversos países que revendem aos Estados Unidos a um custo menor do que se tivessem a sua sede dentro do seu território.

Por outro lado, Trump procura manter o reinado do dólar e a consequente capacidade dos Estados Unidos para se financiarem à custa do resto do mundo. Toda a sua política tem também o desesperado objetivo de travar o avanço chinês. A grande contradição que os Estados Unidos enfrentam é que possuem grandes reservas de capital financeiro, a hegemonia do dólar e um grande poderio militar, mas não dispõem de uma capacidade produtiva ao nível da China.

Simultaneamente, estão dependentes da importação de diversos recursos fundamentais e foram ultrapassados em áreas tecnológicas centrais como as comunicações e as energias renováveis. Trump e a sua administração desenvolvem uma ação política nacionalista e protecionista. Até agora, o protecionismo de impor as tarifas aduaneiras era uma situação característica das economias débeis que necessitavam de se defender face ao poder da produção estrangeira.

Ao recorrer ao protecionismo, Trump está a assumir, de forma clara, a grande debilidade atual da economia norte-americana. Em 7/4/2025, Stephen Miram, principal assessor económico de Trump, revelou num discurso qual a verdadeira estratégia da política das tarifas aduaneiras: utilizar as tarifas às importações como meio de pressão para obrigar os outros países a financiar a manutenção da hegemonia global dos Estados Unidos.

No plano militar, a suposta decisão de retirar efetivos da Europa, referindo que devem ser os europeus a assumirem, eles próprios, a defesa dos seus países, faz lembrar uma  situação protagonizada por Gorbachov em 1990 numa cimeira do então COMECON na cidade de Sofia, quando afirmou que a União Soviética já não estava disponível para financiar os gastos dos países do pacto de Varsóvia.

O que sucedeu a seguir todos sabemos.

A análise do contexto interno dos Estados Unidos implica ter presente o deslizamento contínuo do Partido Republicano para a extrema-direita com posições abertamente neofascistas de vários dos seus círculos dirigentes. Esta situação, assenta numa base orgânica com a criação em 2009 do movimento Tea Party que começou com um apelo na internet para contestar as medidas de Barack Obama a nível do resgate das hipotecas das habitações e mais tarde do plano de saúde. A partir das redes sociais, foram mobilizadas dezenas de milhares de americanos para integrarem amplas manifestações de contestação a qualquer tipo de política de cariz mais social.

A designação de Tea Party, foi inspirada na revolta do chá em Boston numa ação dos colonos americanos de Boston, em 1773, contra o governo britânico que detinha o monopólio do chá que entrava nas colónias. No porto de Boston um grupo de colonos atacou os navios carregados de chá e atirou a carga para a água. Em 2013, o Tea Party quase tinha desaparecido, embora conservando um importante núcleo em torno da House Freedom Caucus.

Mas silenciosamente, foi alargando a sua influência no aparelho do Partido Republicano, obtendo um importante peso político-ideológico. Em 2016, transformou-se no MAGA ( Make American Great Again) de acordo com as próprias declarações públicas de Trump. Em 2016, Mick Pence, um político de extrema-direita e membro do Tea Party, foi vice –presidente dos Estados Unidos eleito com Trump. Em 2025, Trump nomeou Marco Rubio, outro destacado membro do TeaParty, como secretário de Estado.

O Tea Party tem sido financiado pelos irmãos Koch, Charles e David, proprietários da Koch Industries, um conglomerado de empresas petrolíferas, energéticas e agropecuárias. É uma das cinquenta empresas que mais faturam em todo o mundo e, segundo a Forbes, é a segunda empresa que mais fatura nos Estados Unidos. É uma família tradicional de extrema-direita, em que o pai de ambos os irmãos, Fred Koch, se assumiu como grande admirador de Mussolini.

Embora o Tea Party não seja formalmente reconhecido como um partido, na prática é um partido dentro do Partido Republicano, determinando toda a sua ação política. Esta política de Trump e da sua administração tem todos os ingredientes para correr mal para os próprios Estados Unidos.

Importa ter presente que as tarifas aduaneiras estabelecidas pela administração norte-americana não podem ser entendidas sem a sua ligação com a luta pelo controlo de recursos minerais, como as ameaças de invasão da Groenlândia, os acordos com a  Ucrânia,  a aquisição das reservas da República Democrática do Congo, bem como o domínio do Canal do Panamá.

A China possui 60% das reservas de terras raras do mundo e controla 85% do seu processamento. O caso da Groenlandia é muito elucidativo. Somente na parte não coberta de gelo existem cerca de 38 minerais definidos como estratégicos pela União Europeia. Com as alterações climáticas e o avanço do degelo, muitos mais minerais ficarão acessíveis à exploração. No caso do Congo, que é uma das principais regiões mineiras do mundo, com metais raros, ouro e diamantes, o interesse norte-americano tem crescido muito nos últimos meses.

Quanto ao Canal do Panamá, por ele circula cerca de 5% do comércio mundial, sendo os Estados Unidos o seu principal utilizador, logo seguidos pela China. A escalada armamentista a que assistimos comporta enormes perigos que podem culminar numa confrontação militar em larga escala com consequências imprevisíveis para o futuro da nossa civilização. A defesa da Paz e a luta pela democracia e a liberdade são, mais do que nunca, as tarefas inadiáveis de todos os cidadãos que não admitem ver destruído o seu horizonte de dignidade humana.

Mário Jorge Neves 

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