
A história está cheia de exemplos de acontecimentos que foram o oposto daquilo que pareceram e foram depois registados como tal na história oficial. Atualmente, utilizam a terminologia política de “falsas bandeiras”. No pós II Guerra Mundial, no chamado período da “Guerra Fria”, a guerra psicológica atingiu uma dimensão colossal com manipulações massivas das opiniões públicas dos vários países.
O hipotético perigo de uma invasão da Europa Ocidental pela então União Soviética, foi agitado para justificar a corrida armamentista e a instauração de sistemas de controlo e vigilância de diversas sociedades, de que a “ Rede Gladio” ou as redes do “ Stay-Behind” foram exemplos marcantes e que suscitaram tantas polémicas passados uns anos. As negociações de bastidores entre as 3 potências vencedoras da II Guerra Mundial, Estados Unidos, Grã-Bretanha e União Soviética, tinham estabelecido uma divisão das chamadas áreas de influência na Europa. É deste modo que se explica o caso da Grécia, onde a guerrilha comunista expulsou as tropas nazis e libertou o país sem qualquer ajuda militar e foi impedida por Estaline de tomar o poder.
Assim, as potências ocidentais sabiam perfeitamente que esse perigo de invasão não era real, mas utilizaram-no para justificarem campanhas persecutórias e de ódio histérico a quem pensava simplesmente de forma diferente da ideologia oficial.
Nos Estados Unidos da América, nas décadas de 1940 e 1950, foi desencadeada uma violenta campanha de perseguição a todas as pessoas que podiam ter simpatias com ideias de esquerda ou comunistas, naquilo que se designou o período “Macartista”, conduzido pelo senador Joseph McCarthy, com a colaboração ativa de um adjunto com o nome de Richard Nixon que mais tarde, já como presidente desse país, esteve na origem do golpe de estado fascista de Pinochet e no assassinato de Salvador Allende. A criação de um “Comité de Atividades Antiamericanas” foi o instrumento encontrado para perseguir milhares de cidadãos americanos, para estabelecer métodos decalcados do III Reich nazi e para desenvolver programas de destruição das organizações sindicais e de organizações políticas de esquerda com o pretexto de que estavam infiltradas por comunistas e até espiões soviéticos.
Na história mais recente, existe o escândalo das armas de destruição massiva do ditador Saddam Hussein no Iraque. Segundo a campanha mediática intensa que foi desencadeada pelos grandes meios de comunicação social em todo o mundo, este regime possuía um vasto arsenal de armas de destruição massiva que constituía um perigo para todo o mundo ocidental. Esta campanha foi a encenação preparatória da posterior invasão desse país em março de 2003. Depois de consumada a invasão verificou-se que, afinal, não existiam nenhumas armas dessas.
A experiência acumulada mostra com toda a evidência que a indústria de armamento gera primeiro um clima paranoide de insegurança nas populações através dos meios de comunicação social e da classe política instalada em governos para manipular as pessoas sobre a necessidade de aumentar o gasto militar perante ameaças que são agitadas em momentos politicamente convenientes para esses interesses armamentistas.
Nos últimos meses, voltámos a ouvir falar no perigo da invasão da Rússia e que era urgente um rearmamento acelerado e de grande dimensão dos países da União Europeia (UE). Neste contexto, tem sido vergonhosa a vassalagem extrema da UE e do holandês Mark Rutte, atual secretário-geral da NATO perante a administração americana de Trump. Mark Rutte foi primeiro-ministro da Holanda numa coligação com partidos de extrema-direita, tendo-se destacado pelas políticas antissociais e de permanente hostilidade com os imigrantes.
Numa governação envolvida em diversas polémicas, Mark Rutte destacou-se também na crise financeira de 2008 com posições de grande radicalismo nas medidas de austeridade contra os países do sul europeu como Portugal, Espanha e Grécia. Já como secretário-geral da NATO tem assumido posições de se proceder a cortes substanciais nas políticas sociais para dar prioridade às despesas com o armamento. Os gastos militares têm vindo sempre a crescer e nem por isso o mundo é mais seguro.
Os inimigos reais dos povos não são “fantasmas” ou “espantalhos” que se agitam em momentos escolhidos para aumentar os lucros fabulosos da indústria belicista e de grupos financeiros. Como é óbvio, o grande beneficiário desta política armamentista da UE por imposição de Trump vai ser o complexo militar-industrial dos Estados Unidos ao qual os exércitos europeus já compram 64% do seu armamento, bem como as multinacionais americanas de fundos de investimento como a conhecida Black Rock.
De acordo com os dados do Instituto de Estudos para a Paz de Estocolmo só três países em guerra (Israel 8,8%, a Rússia 7,1% e a Ucrania 34%), além da Argélia com 8%, superam os 5 % dos PIBs que o Trump e a UE querem impor aos povos europeus. Trump veio exigir esses 5% com a ameça de abandonar a NATO e deixar os europeus sozinhos num confronto militar com a Rússia. Como se torna óbvio, esta chantagem é patética porque os Estados Unidos nunca deixariam essa aliança militar que tem sido o instrumento decisivo na sua política expansionista nos planos militar, económico e ideológico.
Esta brutal percentagem terá com consequências inevitáveis a ampla desestabilização das economias dos países que integram a NATO, profundos cortes nas despesas sociais e nos apoios aos setores mais desfavorecidos das sociedades, o empobrecimento acelerado de uma elevada percentagem de cidadãos europeus e uma rotura dramática nos parâmetros da coesão social. Quando estes dirigentes da UE se posicionam numa clara perspetiva belicista e de obediência cega aos interesses norte-americanos estão a contribuir para que uma guerra de proporções catastróficas possa eclodir.
À semelhança do que aconteceu nas I e II Guerras Mundiais, uma nova guerra desenrolar-se-ia no continente europeu com novas destruições massivas da maior parte dos países europeus.E a juventude europeia seria destroçada nesse confronto militar, colocando diretamente em causa o próprio futuro da civilização europeia. Nesse sentido, importa ter presente alguns dados demográficos da projeção da ONU realizada no ano passado (2024). Em 2100, a nível mundial, uma em cada quatro pessoas terá mais de 65 anos de idade, quando em 2050 a percentagem será de 16,3 %.
A Europa, globalmente considerada, passará de 9% da população mundial para 5,8% em 2100. Os Estados Unidos passarão dos atuais 347 milhões de habitantes para 421 milhões em 2100, a China passará de 1463 milhões para 633 milhões, o Japão de 123 milhões para 77 milhões e a India de 1451 milhões para cerca de 1500 milhões. Num estudo mais recente, o Eurostat publicou dados onde refere que só 23,6% dos lares da UE possuem ao menos um filho menor de idade. Em 74,4% dos restantes a sua composição é exclusivamente de adultos. Entre aqueles que têm filhos menores, quase metade tem somente um. A taxa média de fecundidade situa-se em 1,38 filhos por mulher. Em 2023, os nascimentos na UE diminuíram para 3,665 milhões, o número mais baixo desde 1961.
A Europa está confrontada com um colapso demográfico, bem visível com o acentuado envelhecimento da população e alarmantes baixas taxas de natalidade. Ora, as questões demográficas assumem sempre um importante papel geopolítico. E é esta Europa debilitada que os dirigentes da UE querem sacrificar aos interesses norte-americanos. O plano em desenvolvimento é claro: quanto mais agitam o medo sobre uma hipotética invasão maior é o gasto em armamento; com maior gasto em armamento mais divída pública; com mais divída pública mais lucros para o sistema financeiro.
Aquilo que está verdadeiramente em causa é um programa de destruição do Estado Social com o pretexto de uma ameça de guerra, onde este argumento martelado à exaustão pelas grandes cadeias de comunicação social propriedade das multinacionais, tem somente o objetivo central de procurar “ anestesiar “ a contestação política de uma elevada percentagem de cidadãos europeus. Sempre a estratégia do medo. Na cimeira da NATO em Haya a 25 e 26 de Junho deste ano, a aprovação desse orçamento na base dos 5% corresponde cerca de 3 biliões de euros, o que significa um montante 18 vezes superior aos gastos militares da Rússia.
Com este processo belicista serão os povos europeus a pagar a recuperação da economia americana através da compra das armas à indústria armamentista desse país, da viabilização de vultuosos negócios com as empresas americanas de fundos de investimento e, no caso de uma confrontação militar, poderem enverdar por um novo Plano Marshal, à semelhança do que aconteceu no período pós II Guerra Mundial. Este plano foi desenvolvido pelo General George Marshall, Secretário de Estado do governo americano e começou a ser implementado em 1947. Foi apresentado sistematicamente como um plano altruísta dos Estados Unidos para reconstruir a Europa após a II Guerra Mundial, mas os seus reais objetivos foram dinamizar a chamada “Doutrina Truman” para combater o avanço do comunismo, fortalecer os laços políticos e económicos com os vários países aliados na Europa para essa luta e reerguer a economia americana abalada há sucessivos anos por várias crises. Foi também no âmbito deste plano que foi criada a NATO.
Os Estados Unidos forneceram biliões de dólares para ajudar a reconstruir infraestruturas e a estrutura industrial de vários países europeus, através de empréstimos e subsídios. A economia americana foi muito beneficiada devido às exigentes contrapartidas para esses países europeus em comprarem produtos industriais e tecnológicos dos Estados Unidos, garantindo um mercado para a sua produção e impulsionando o crescimento das suas indústrias. Este cenário de guerra que está a ser montado, será um oásis para os negócios de muitas empresas americanas e europeias, enquanto as “elites” dirigentes da UE que se têm comportado como funcionárias vassalas do Império, obedecem politicamente a esses círculos, traindo o voto dos cidadãos europeus que os colocaram nesses cargos.
A gigante multinacional americana Black Rock e que é uma das grandes beneficiárias do programa ReArm Europe, teve como seu gestor, entre 2016/2020, o atual primeiro-ministro alemão Friedrich Merz que exerceu as funções de presidente do seu conselho de supervisão. A Black Rock figura entre os acionistas das principais empresas de armamento como a alemã Rheinmetall, as francesas Dassault e Thales, a britânica BAE Systems, a italiana Leonard e a componente europeia da Airbus.
Em 2010, Macron foi gestor do Rothschild & Cie Banque na França. Quanto a Mario Draghi, que já presidiu ao Banco Central Europeu, foi um dos principais quadros de gestão da multinacional americana Goldman Sachs. Os atuais dirigentes da UE que, face à invasão da Ucrânia pela Rússia, têm sido tão enérgicos na condenação dessa situação de violação do direito internacional, multiplicando as sanções e as ameaças de guerra, enquanto com o genocídio do povo palestiniano têm assumido um escandaloso comportamento de cumplicidade ativa com o governo israelita.
Em pleno século XXI assistirmos a estas barbáries é um retrocesso civilizacional de vários séculos. Só a Paz permite o desenvolvimento de países e de sociedades evoluídas e dignas dos valores mais elevados no respeito pela vida humana. Os povos europeus não podem continuar a ser espezinhados por dirigentes burocratas que só trabalham para defender os vultuosos negócios dos seus patrões políticos e ideológicos. A diplomacia, a negociação e os acordos são os piores inimigos das multinacionais do armamento.
É urgente que os povos europeus se mobilizem na defesa da Paz e dos valores supremos da vida e da dignidade humanas.
Mário Jorge Neves, médico
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