
Segundo foi publicamente referido e noticiado, designadamente pela revista “Sábado”, a bárbara agressão ao actor Adérito Lopes, junto ao Teatro “A Barraca” – onde se preparava para actuar, perante uma sala cheia, na peça sobre Camões intitulada “Amor é um fogo que arde sem se ver” – foi antecedida de um conjunto de graves provocações dirigidas a outros actores, levadas a cabo por um grupo de cerca de 30 indivíduos neonazis. Entre estes encontrar-se-iam João Martins e Nuno Themudo, dois dos efectivamente condenados pelo assassinato racista de Alcindo Monteiro, ocorrido exactamente há 30 anos, no Bairro Alto, na sequência de uma brutal “caça aos pretos”.
A agressão a Adérito Lopes foi perpetrada por outro dos indivíduos do grupo: um jovem de 20 anos, há muito referenciado como integrante dos grupos neo-nazi “Blood and Honour” (“Sangue e Honra”), já proibido em diversos países, incluindo Espanha, Alemanha e Canadá, e “Portugal Primeiro”, dirigido por João Martins. Ambos os grupos, referidos em versões anteriores do “Relatório Anual de Segurança Interna” (RASI), constavam também da parte do relatório relativo a 2024 que, segundo noticiou o próprio Expresso, foi mandada apagar da versão publicada pelo Governo de Montenegro – sem que tal medida tenha sido alguma vez explicada.
A dita agressão foi repentina e traiçoeira, não tendo sido precedida por qualquer conduta da vítima – que acabara de chegar ao local e se limitava a cumprimentar os seus colegas – nem por qualquer troca de palavras com o agressor. Foi, pois, executada de forma deliberada para impedir qualquer possibilidade de esquiva ou reacção.
O ataque foi praticado com uma arma proibida (uma soqueira de metal) e revestiu-se de especial violência,tendo causado, além de feridas incisas na cara, também uma fractura do osso malar. O golpe foi intencionalmente dirigido a uma zona extremamente vulnerável do corpo (a face), o que, como todas as regras da experiência ensiname qualquer cidadão reconhece, era não só susceptível de causar uma grave enfermidade com consequências para o resto da vida da vítima, como também de a colocar em perigo de vida.
Tudo isto consubstancia a prática de um crime de ofensa à integridade física grave e qualificada – um crime público, ou seja, de procedimento criminal que não depende de queixa para ser instaurado pelo Ministério Público – abstratamente punível com pena de prisão de 3 a 12 anos, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 144.º, alíneas a) e d), e 145.º, n.º 1, alínea c), ambos do Código Penal em vigor.
Ora, quando o autor de um acto criminoso como este é detido no momento em que o está a cometer, ou imediatamente após, durante uma perseguição por qualquer pessoa, ou ainda quando é encontrado com objectos ou sinais – desde logo o instrumento da agressão – que revelem claramente que acaba de o cometer ou de nele participar, está-se perante uma situação de flagrante delito. Assim o define, de forma claríssima, o artigo 256.º, nº 1 e n.º 2 do Código de Processo Penal.
Deste modo, sendo este um flagrante delito por crime punível com pena de prisão (aliás, bem pesada), as autoridades policiais podiam e deviam proceder à respectiva detenção, nos termos do art.º 255.º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Penal. Ainda que não se tratasse de um falagrante delito (o que, manifestamente, não é o caso), a detenção seria igualmente admissível. Com efeito, estando em causa um crime para o qual é legalmente possível decretar prisão preventiva, existindo mais do que fundado receio de fuga e de continuação da actividadecriminosa, e não sendo possível aguardar pela intervenção da autoridade judiciária, também se verificariam os pressupostos do art.º 257.º, n.º 2, do mesmo Código.
Sendo assim, a primeira questão que não pode deixar de se colocar é a seguinte: que complacência com os neonazis leva as autoridades policiais a identificarem o autor do acto criminoso em causa – o que significa que o encontraram, se não no momento dos factos, pelo menos logo de seguida –, para, depois disso, o deixarem sair tranquilamente em liberdade? Para que possa, entretanto,praticar mais actos criminosos do mesmo género?
A segunda questão prende-se com a persistente e reincidente actuação (30 anos depois!) de neo-nazis como os que foram judicialmente condenados pelo brutal assassinato de Alcindo Monteiro. Essa realidade demonstra não só que, como costumo dizer, “os lobos podem perder os dentes, mas nunca perdem os intentos”, mas também o tipo de “reinserção social” de que efectivamente são capazes.
A terceira questão é, evidentemente, a da posição do Governo e das forças políticas que, pela acção ou omissão, o sustentam. Afinal, porquê, e para quê (se não para impedir o eficaz combate social e político aos mesmos), se quis impedir o Povo de saber quem são, o que fazem e como actuam os terroristas fascistas e nazis no nosso país?
A quarta e última questão é a lição que se pode e deve retirar de (mais) esta cobarde agressão: com os admiradores de Hitler e de Salazar não há diálogo possível. E à violência neo-nazi com que nos querem amedrontar e silenciar há que responder, como sempreteve de se responder ao longo da História: com firmeza, com organização e com espírito de resistência!
NÃO PASSARÃO!
António Garcia Pereira
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