Faço um preâmbulo pessoal como se fosse uma declaração de interesses por fazer parte de uma minoria discriminada e racializada, mulher e preta, confrontei-me ao longo da vida com todo o tipo de preconceitos, usando como defesa até a luta física. Só me tornou mais consciente e sem medo desta luta.
Em Português, uma das minhas línguas maternas, uso duas palavras com amor e orgulho ” preta”, por ter sido usada para me desumanizar e “todos” para designar todos, incluindo todos, por ser esta palavra em Português uma palavra inclusiva.
Logo dizer preta e todos é também dizer: eu também sou gente.
Por outro lado é como estar também a dizer – eu escrevo sem acordo ortográfico, como muitos escritores como eu declaram. Sem qualquer machado de guerra desenterrado. É minha perspectiva.
Enquanto for dona de raciocínio em nome individual e não praticar actos ou disser palavras que ofendam a dignidade de cada vida, usarei a língua que escolho, não a que me for imposta e com ela as palavras que escolho.
A palavra preta dignifica-me e dignifica os meus antepassados que por causa dessa desumanização foram escravizados, e por isso entram nestas conversas. É descriminada no Brasil eu dignifico-a e humanizo-a desde criança quando recebi em Portugal o primeiro insulto com esta palavra.
A palavra todos, significa que somos todos, da espécie humana, homo-sapiens.
Sem ambiguidades nem discriminações. Nem necessidade de alterar nenhuma vogal.
Respeito todos os que usam uma palavra diferente, e agradeço o favor de continuar livre para usar as palavras que eu entender.
Não deixo de ser “woke” – como fui toda a vida – muito antes desta palavra inglesa surgir em Portugal, ou desta luta emergir como algo imperativo em Portugal.
Acordada e consciente tem sido o modo da minha vida na luta contra discriminações.
Importámos um movimento americano surgido nos anos 60, vindo do black power, significando este o respeito por todos os humanos, incluindo todos os que são diferentes e claro em particular, os que são discriminados.
Daí este texto hoje. Contra fobias de qualquer ordem.
Tanto a nossa História está distorcida, que os livros escolares escolares ainda falam de um passado de miscigenação acolhedora entre todos, uma mentira impingida como verdade.
Por isso faço o meu trabalho de casa em vídeos, podcast e escrita, para desconstruir os mitos.
Tanto assim é que precisamos de um dia específico para lembrar quem é discriminado.
A minha luta – incluindo a punhos – abriu caminho para hoje as novas gerações se exprimirem livremente e serem quem quiserem ser.
Enquanto eu pensar, podem-me cancelar que eu não deixo de ensinar algumas coisas que sei, fruto de muito estudo enquanto aprendo andando na estrada.
Vamos à crónica dedicada à comunidade humana, sobre a comunidade LGBTQI mais.
Penso, Logo existo.
Além de grátis não dói e é uma questão de hábito.
Dois hábitos.
Existimos há apenas duzentos e cinquenta mil anos como Homo Sapiens, por conseguirmos ter cognição elaborada. Com ela conquistámos uma longevidade inesperada e feitos que nos maravilham. É imenso e profundo o que já conseguimos.
Somos crescidos. No entanto queremos mais… Mais o quê se de ser humano ainda temos tanto a aprender? Somos no mesmo ser crianças de colo agarradas ao mamilo. Vejam bem, até criámos a IA e agora temos de nos saber desenvencilhar usando-a a nosso favor e benefício. Seremos capazes?
Voltando aos hábitos que não doem.
O primeiro é pensar.
O nosso cérebro além de grande, possui plasticidade e adaptabilidade, que nos levaram a ser quem somos e a chegar ao nível do desenvolvimento que chegamos.
O segundo é pensar.
Somos talvez uma espécie híbrida, fruto não apenas da evolução mas vinda da mistura com outras ramificações humanas. Por certo pertencemos todos à única espécie sobrevivente a Homo-Sapiens. Desde sempre, a espécie é uma árvore com o mesmo tronco, feito à medida, com ramos distintos, de frutos de diversas cores e feitios. Uma salada de frutas quando estes são colhidos. Uma árvore prêt-a-porter de diversidade. Tornou-se a espécie de árvore sobrevivente da evolução das várias espécies conhecidas por arqueólogos e antropólogos. Acasalamentos entre ramificações das espécies originaram diferenças. Entre nós também chegaram os hermafroditas e outros seres diferentes, ao longo da História. Todos estes seres diferentes mais não são que um de nós.
Mais não somos que o colapso de milhões de estrelas formando uma estrutura molecular nesta matéria chamada corpo.
Estrutura igual. Muitas diferenças fenótipas. Que beleza de árvore. Dito de outra maneira, mesma espécie, frutos com vários modelos diferentes. Gostos diferentes. Pensamentos diferentes. Capacidades, aptidões, talentos distintos. No entanto cada um, um sério caso único. Não há uma só linha igual na fábrica.
Delas – as diferentes espécies anteriores a nós – nascemos e sobrevivemos por uma característica em particular, a que melhor nos define – somos seres sociais que estabelecem laços de amor, de solidariedade, de riso. De partilhas biológicas e culturais.
Com a evolução, a expansão terrestre por todas as latitudes e geografias, a explosão demográfica, as conquistas territoriais (exigidas a partir da expansão do pensamento no nosso grande cérebro), chegou a partilha de família, de nação, de religiões, de línguas, de bandeira e até de clube de futebol.
Continuamos a evoluir, só não sabemos para onde vamos ou se nos tornamos quiçá outro homo qualquer (para já estamos menos sapiens, assim parecem dizer estudos da ciência que acabo de inventar).
Sabemos sim que em ADN pertencemos à mesma. Provavelmente seremos todos hermafroditas dentro de uns milhares de anos.
Ou voltaremos a ser macacos como o Australophitecus nosso primordial começo, em cima de um ramos da árvore, a bater no peito com guinchos alarves quando o macaco Alfa mata o outro macho para dominar o grupo, e faz-lhe xixi em cima para marcar território. Chamar-lhes-ei Simba versus Scar.
Se pensarmos (não faz doer), quando aparece um qualquer pseudo guru, narcisista ou outro líder da extrema-direita a orquestrar a tomada do poder junto da espécie e arranjar um grupo qualquer para odiar, desumanizar e criar medo – como sempre acontece – usando aquela que é também uma das características nossas – partilharmos o medo do desconhecido – ninguém será convencido da “bondade” deste.
Se usarmos a capacidade do nosso cérebro relativo ao pensamento não temos que ter medo de um ser diferente. É filho de pai e mãe sapiens. Ele é o nosso espelho, ele somos nós (erro propositado). Nós somos ele. Nós só somos porque partilhamos a mesma espécie em evolução. Não há desconhecidos.
Vixe Maria, que pensamento tão simples, tão banal, tão concreto, tão óbvio, tão absoluto e sem mistério no entanto tão inatingível, como prova a História da nossa espécie.
La Palisse andou a pensar…
Somos muitos, todos iguais com muitas diferenças, por causa das tais partilhas que fomos fazendo ao longo da existência de apenas duzentos e cinquenta mil anos. Por sermos a única espécie com capacidades cognitivas ligadas ao pensamento.
Pensar não dói e é uma questão de hábito.
Aceitarmos todos como iguais, com todas as diferenças de cores de pele, sexo e preferências sexuais, tipos de cabelos, gostos, religiões, formas de estar na vida, línguas, culturas e até clubes de futebol deveria ser óbvio.
Há dois milhões de anos o mamífero Homo Erectus saiu de África e foi ocupando todos os territórios da Ásia ao Peloponeso, até à Terra do Fim do Mundo. De nómada a construtor. Aceitando os diferentes e os híbridos que apareciam como sendo seus. Hoje, o mamífero Homo Sapiens-Sapiens vencedor da evolução, vive aquilo a que chamamos Civilização, ainda muito longe de o ser.
Somos a espécie que maior impacto negativo produz no único habitat que tem, incluindo entre os da própria espécie. Já deixámos para trás os empalamentos, a guilhotina como diversão do pic-nic da família aos domingos, as fogueiras, os campos de concentração com as câmaras de gás, a escravatura e as torturas para explorar e obrigar à servidão e tantas outras formas de tortura medievais e regimes baseados na violência e na eliminação do outro. O jogo de civilização nós contra nós, mantendo a continuidade de muitas destas práticas continua, incluindo várias formas de racismo, discriminação, exclusão e escravatura.
Talvez a Inteligência Artificial que criámos seja capaz de nos escrever um GPS com as direcções para um futuro pensado com os Direitos de Todos os Sapiens à existência em igualdade, sistema de vida ainda não experimentado nem explorado. Isto sim seria em linguagem de futurismo – dar novos mundos ao mundo.
O novo normal deveria ser apenas o de aceitar todos os diferentes como iguais. É uma questão de hábito e repito, não dói nem prejudica ninguém. Para tal basta usarmos o pensamento. Mais não somos que mamíferos que sabem num alfabeto pintar as cores do arco-íris.
Este texto é dedicado ao meu querido amigo e pintor Tó (Antonio Santos), de Monchique, que além de amigo sempre acompanhou os meus textos e soube o significado deste tipo de discriminação. A viagem dele como pó de estrelas em estrutura molecular física está agora espalhada no cosmos e nas lembranças dos amigos.
Anabela Ferreira
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