O polvo e a Máfia

Para memória futura, faço um desvio ao passado recente, lembrando que somos animais emocionais, com fraca razão (pouca racionalidade) e memória curta. Depois das crises prometi-me não deixar a minha voz ficar presa nos escombros.

O mundo sofreu um abalo em 2008. Pessoalmente um terramoto abateu-se sobre a minha vida. Fiquei presa nos escombros. Foi um colapso para a vida de milhões. Um dia pensávamos ter chão, estarmos evoluídos, finalmente a democracia parecia ter voz presente e estar assentada numa poltrona confortável. Afinal caiu e espatifou-se. Vivíamos uma ilusão semelhante a uma relação abusiva, onde a manipulação emocional é tão bem feita que não nos deixa pensar com a razão.

O capital não tem pátrias, nem bandeiras, nem fronteiras. É mais cidadão livre que qualquer um de nós. A crise não se fez tarde em chegar a Portugal. A minha sorte foi ter aprendido desde cedo a encarar as crises como se fossem um momento de apagão eléctrico. O meu gerador tinha pilhas sobressalentes escondidas em gavetas de muitas duras aprendizagens. É como anunciarem um diagnóstico de morte para breve. Somos envolvidos por um buraco negro. Muitos como eu não conseguiram reerguer-se. Outros foram consumidos pelo stress desgastante, quase invisível a olho nu. Passei então a ver a realidade com outra percepção. Menos emoção, mais razão. Porque razão está a acontecer? Era preciso de novo emigrar e limpar jardins que outrora deram flores? Vamos a isso! Ontem tínhamos tudo organizado, hoje estamos de mãos vazias?

Porque falo destas coisas? Para recordar percepções recentes. Ninguém (nem eu) saiu do stress pós traumático inicial. Daí ser necessário relembrar. Relembrar em particular como actua a máfia. O que tem isto a ver com as calças? Tudo!

Umas instituições financeiras privadas – se fossem públicas teriam despedido com justa causa todos os jogadores do casino – são salvas pelo dinheiro dos contribuintes (não se esqueçam não são livres).

É o pai que dá dinheiro ao filho para ir jogar, ele perde tudo, e no fim o pai salva-o pagando-lhe as dívidas. Eu e tu somos o pai.

As instituições e os Estados – invocando o bom nome da crise – acusam quem está a pagar de viver acima das suas possibilidades. Austeridade draconiana num cenário de inacreditável corrupção. Despedir como se a existência e a conquista de leis pertencessem a um passado muito pretérito, tiram tapetes debaixo das vidas, cortam a direito e sem direito pensões, salários, direitos laborais – estes últimos passam a ser apenas obrigações – aquelas de trabalhar até que a morte separe trabalhador do seu patrão. Ir para além de qualquer troika.

Estes suseranos acumularam e acumulam riqueza (sobretudo se forem de uma certa elite financeira mercenária e mafiosa, que sempre viveu acima das possibilidades dos contribuintes, mas sabendo muito bem como manipular a informação, sobretudo a percepção sobre a crise), para que os vassalos abdiquem de ser gente que pensa e sente.

Austeridade para poucos e abundância para muitos. Gente sem casa, dívidas impossíveis de pagar, sem trabalho, ordenados que não chegam para pagar a renda, a ruína de quem trabalha e produz. Não é um filme, é a Idade das Trevas que o capitalismo nos fez mergulhar, baseado em factos surreais. Da crise ainda não saímos. Vieram aliás outras, acumular capital de desestabilização.

Se estivermos sempre envoltos na sua bruma, como se de um labirinto se tratasse, ficamos tontos, incapazes de racionalizar e raciocinar.

Estamos bem piores – sem segurança – social, mental, física e emocional. Os tais da elite ficaram bem melhor. Acumularam como faz a máfia em todos os negócios ilícitos. Foram salvos e navegam num mar de abundância. 

Ah Benditos sejam os animais racionais donos disto tudo, sejam “hedge funds”, sejam banqueiros, sejam proprietários de terras e outros conglomerados mafiosos! Aliaram-se há muito à política, como a máfia nos anos trinta. São os capazes de terem as nossas vidas em draconianos “lockdowns”, até chegarmos à completa destruição do tecido das nossas sociedades humanas.

Nós se por sermos animais emocionais nos vamos esquecer daquilo que nos fizeram nos invernos passados, deixando que nos continuem a manipular – com outras marionetas políticas que se vendem como se fossem diferentes (CH) dos outros tentáculos do polvo da Máfia – para que continuemos a vender a segurança das nossas vidas (e os direitos assegurados na Constituição), para que continuemos a ver transformados em negócios a saúde, a justiça, a educação, a segurança social, a habitação, e, ainda ter a percepção errada…isso é dissonância cognitiva, idiotice ou ignorância.

Com um custo enorme – a vida.

A apatia traz a falta de racionalidade e o cinismo e com eles disparam as emoções. Disparamos todos em qualquer sentido sem conseguirmos sair debaixo dos escombros. Os partidos que hoje nos enganam, como os que nos enganaram no passado, como os que fingem prometer combater o que está errado, não devem ser esquecidos. Trazem escombros para acrescentar aos escombros. São a mesma face da mesma moeda. Na hora de ir votar, convém não esquecermos. 

Anabela Ferreira

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