O modelo social europeu está liquidado pela conduta capitulacionista das instâncias dirigentes da União Europeia (UE).
O desenvolvimento das políticas neoliberais tem agravado continuamente a situação política económica e social, aumentando as desigualdades sociais, alargando, de forma célere, a pobreza e restringindo o espaço democrático e as liberdades.
O neoliberalismo tem consistido numa versão dissimulada de fascização, com “pezinhos de lã”, das sociedades atuais.
Na origem deste modelo ideológico estiveram personagens claramente alinhadas com a extrema-direita.
Em 1938, realizou-se em Paris o chamado colóquio “Walter-Lipman” para definir soluções para a ineficácia das políticas liberais face ao medo de um intervencionismo económico crescente. Foi neste colóquio que Alexander Rustow falou pela primeira vez em “neoliberalismo”.
Em 1942, foi publicado o Relatório Beveridge na Grã-Bretanha que defendeu a ideia de aumentar a intervenção direta do Estado na economia para garantir os direitos sociais mínimos para todos os cidadãos. Estes serviços seriam financiados com impostos proporcionais à riqueza.
Em 1945, Friedrich Hayek publicou o livro “ O caminho da servidão” para combater as propostas do relatório Beveridge.
No combate intenso contra a política keynesiana criaram-se 3 escolas económicas.
A escola austríaca teve como principais ideólogos Ludwing Mises, Friedrich Hayek e M. Rothbard.
A escola alemã teve como principais ideólogos Wilhelm Ropke, Alexander Rustow, Walter Eucken e Franz Bohm.
Esta escola também ficou também conhecida por Escola de Friburgo ou por ordoliberalismo, dado que as suas reuniões se iniciaram em torno da revista Ordo.
Depois da II Guerra Mundial apareceu uma nova corrente: a escola de Chicago com Milton Friedman como seu principal ideólogo.
Desde 1947, Ropke , Hayek e Friedman uniram-se na Sociedade Mont Pelerin , presidida pelo Hayek, que desenvolveu uma intensa conspiração política e económica contra todas as políticas sociais.
No seu livro “O Liberalismo”, em 1927, Mises elogiou o fascismo italiano.
Hayek foi o primeiro a reconhecer a contraposição entre democracia e neoliberalismo no seu livro “ o caminho da Servidão” ( bíblia do neoliberalismo).
Hayek , numa entrevista ao jornal El Mercúrio (Chile) (12/4/1981) referiu que “ a minha preferência pessoal é uma ditadura liberal e não um governo democrático onde todo o liberalismo está ausente”.
Entretanto, o facto marcante e que Importa, desde logo, ter bem presente é que a experimentação prática das medidas estruturais e ideológicas do neoliberalismo só foi possível num país, como o Chile, que estava submetido a uma feroz ditadura fascista na sequência do golpe sangrento do Pinochet.
Quando Pinochet saiu do poder, em 1990, o índice de pobreza no Chile era de 40%.
Depois deste “teste” no Chile, os expoentes dinamizadores deste modelo no plano internacional foram M. Thatcher e Reagan, desenvolvendo a sua ofensiva político-ideológica violenta em quatro direções principais: completa liberalização do mercado, as múltiplas privatizações, a procura da destruição do papel dos sindicatos e a implantação de uma reforma tributária de escandalosa de proteção aos grandes rendimentos.
Quando a ideologia neoliberal proclamou a sua concepção do pensamento único não deixou qualquer dúvida sobre a sua essência totalitária e a sua aversão à democracia.
As instâncias dirigentes da UE abraçaram as políticas neoliberais desde logo no campo económico e foram deixando-se colonizar pelo império americano.
A nível das forças partidárias, os partidos comunistas e outras forças de esquerda têm sido incapazes de compreender as novas realidades e os perigos a elas associados, os partidos da Internacional Socialista renderam-se ao neoliberalismo e passaram a adotar as mesmas políticas antissociais da direita tradicional, os democrata- cristãos deixaram de dispor de espaço político e a direita foi deslizando para posições de extrema-direita.
O aumento da pobreza e das desigualdades tem gerado um crescente desespero social e com isso tem contribuído para o fortalecimento das posições eleitorais da extrema-direita.
A colonização americana da UE, para além da servidão económica, está bem patente no facto de existirem nos seus territórios cerca de 300 bases militares com contingentes permanentes que ultrapassam os 80.000 soldados americanos.
Todas as iniciativas europeias para articular a política externa e de defesa autónoma foram sistematicamente neutralizadas pelos Estados Unidos: durante a década de 1950 foi o projeto da Comunidade Europeia de Defesa, no final da década de 1990 foi a sua subalternização nas operações militares das guerras nos Balcãs e mais recentemente foram os projetos de criação do corpo europeu de reação rápida e do conselho de segurança europeia.
No atual contexto internacional, o rearmamento militar da UE representa uma situação de acrescida dependência dos Estados Unidos e inviabiliza qualquer possibilidade de atuação autónoma, constituindo uma ação desesperada para reativar o aparelho produtivo na base de uma economia de guerra.
Entretanto, a NATO tem o seu papel ampliado para continuar a ser um instrumento essencial na manutenção e alargamento da tutela dos Estados Unidos sobre a UE.
Quando se acentuam as preocupações das opiniões públicas na Europa com esta situação, as atuais instâncias dirigentes da UE têm vindo a apregoar a defesa dos “valores europeus” face à ameaça russa quando o que está em causa é a militarização da vida social e económica, a destruição do Estado Social e até o risco de uma confrontação nuclear.
As necessidades centrais das sociedades como a educação, saúde, os direitos democráticos e os salários dignos vão ficar subordinadas a uma economia de guerra.
A reunião na Escócia entre Trump e Ursula Van Der Leyen em 27/7/2025 constituiu um ato de humilhação da UE pelas condições ultrajantes desse acordo: tarifas alfandegárias de 15% para os vários produtos europeus e 50% para o aço e o alumínio; compra dos combustíveis fósseis no valor de largas centenas de milhões de dólares em 3 anos, bem como de armas no valor também de largas centenas de milhões de dólares aos Estados Unidos; abdicar de estabelecer normas próprias em diversas matérias como, por exemplo, a inteligência artificial.
Este acordo de capitulação assume uma dimensão de extrema preocupação quando foi concretizado sem que os seus termos fossem objeto de debate e de decisão do Parlamento Europeu, bem como dos parlamentos nacionais, quando os contratos de armamento são competência dos estados-membros e quando não são conhecidas cláusulas de proteção da indústria europeia.
Outros aspetos desse acordo que têm vindo a ser comentados em diversos meios informativos, é que abrem as portas a que a UE reduza ou elimine os impedimentos impostos a produtos alimentícios americanos como vegetais, carne, alimentos processados e produtos lácteos que utilizam conservantes e fertilizantes que são prejudiciais à saúde.
Por exemplo, nos Estados Unidos são utilizados 72 pesticidas proibidos pela UE e o dobro dos antibióticos em animais.
Por outro lado, o acordo obriga a que a UE comunique com antecedência aos operadores americanos as medidas de regulação que pretende implementar em matérias como digitalização e propriedade intelectual.
A UE perde também a sua soberania legislativa.
Finalmente, as grandes companhias americanas de entretenimento ( Netflix, Prime, HBO Disney ou Apple) utilizarão gratuitamente infraestruturas europeias de telecomunicações para difundirem os seus programas.
Como já foi referido, a estreia da intervenção operacional do neoliberalismo foi a publicação de um livro por Friedrich Hayek para combater as propostas do relatório Beveridge, na base das quais foi criado o Serviço Nacional de Saúde britânico (NHS).
Ao longo das décadas pós II Grande Guerra, o neoliberalismos foi desenvolvendo frenéticos esforços para combater e destruir o Estado Social.
Os resultados desta ideologia foram a desregulamentações dos mercados, amplas privatizações de serviços públicos, a elevada especulação financeira com lucros astronómicos para os grandes consórcios multinacionais, concentração extrema da riqueza, menor crescimento económico, queda da produtividade, agravamento das políticas redistributivas e crescimento das desigualdades e da pobreza.
As principais economias da UE como a alemã, francesa e italiana estão a atravessar crises profundas que as instâncias dirigentes da UE têm procurado encobrir.
Simultaneamente, as forças neoliberais de vários matizes acentuaram, de novo, as suas campanhas em defesa da diminuição cega de impostos, quando todos sabemos que esta medida tem sempre uma relação direta com a redução dos serviços sociais públicos essenciais para o bem-estar das populações.
Se a isto acrescentarmos os tais 5% do PIB para os gastos em armamento de guerra, impostos por Trump, a situação na UE assume contornos explosivos de consequências sociais imprevisíveis.
É urgente recuperar a Europa como espaço de paz e de convivência pacífica entre os seus povos e destes com os países circundantes, o Estado Social e as políticas sociais públicas devem ser recolocadas no centro da resolução da grave crise económica e as populações devem exercer integralmente os seus direitos de cidadania para pôr termo à atual mediocridade extrema das instâncias dirigentes da UE e às suas orientações suicidárias para o futuro dos europeus.
Se as opiniões públicas europeias não tomarem consciência urgente dos perigos que têm diante de si, a Europa sairá disto completamente estilhaçada.
Mário Jorge Neves, médico




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