Por obséquio, alguém consegue explicar isto?! (por João de Sousa*)

sem-tc3adtuloNota prévia: não disponho de elementos que me permitam afirmar se José Sócrates é, ou não, culpado; defendo a minha, e a dele, presunção de inocência. Quanto à questão ética/moral do concidadão Sócrates … é só lerem com atenção o que tenho escrito!

– “Sr. João, Sr. João! O Sócrates vai embora!”

– “Ele saiu da toca!!!”

– “A princesa vai embora!”

Sexta-feira, 4 de Setembro de 2015. “Ébola”. 19h25.

As primeiras manifestações, relativamente à alteração da sua medida de coacção, que o José possivelmente ouviu, foram estas. Não ouviu bombons, não estava uma multidão à sua espera, não foi uma apoteose. Em teatro, apoteose é a cena final nas peças alegóricas ou fantásticas, em que as personagens estão representadas numa espécie de glória celeste; conquanto seja fantástica a jornada prisional do José, e conter muito de alegórico relativamente ao poder, sua legitimação popular e exercício, Sócrates não saiu acompanhado de aplausos vibrantes e unânimes: apenas saiu!

As televisões, à excepção da RTP que transmitia o jogo da “selecção de todos nós”, noticiaram. Perdemos o jogo com os franceses. Há 40 anos que não vencemos a nação da “Liberdade, Igualdade, Fraternidade”, há 41 que a Justiça portuguesa e os portugueses perdem: alegórico, não?

Após o jogo, “edição especial” na RTP1. Comentadores de serviço. Marinho e Pinto, que de tanto falar por vezes acerta: “Isto é o drama de milhares e milhares de cidadãos portugueses”; “Deve-se estar sob a alçada da lei e não dos humores dos magistrados!” Referia-se à prisão preventiva e à determinação da mesma, sem que os factos praticados justifiquem a prisão.

E neste momento, o Inspector João de Sousa, fechado na sua cela, sente uma inquietação, uma questão aflora-lhe a mente. Quem me lê, o Estimado(a) Leitor(a), pode, por obséquio, explicar-me isto: porque razão continuo aqui em “Ébola” preso?

Vamos fazer o exercício conjuntamente. Acompanhem-me, por favor!

O José neste momento já não perturba o inquérito porque “mostra-se reforçada a consolidação dos indícios”.

O Inspector João de Sousa já foi acusado, os indícios já cristalizaram em prova (isto há 5 meses; estou preso há 528 dias!)

Calma! O Ministério Público afirma, que no caso do Inspector João de Sousa, como este deve ser (“efectivamente”) condenado, tem de ficar preso.

Boas notícias para Sócrates: ele não vai ser “efectivamente condenado”, ele usufrui do “princípio da presunção de inocência”, o Inspector da P.J. não!

Mais devagar. Deve existir (tem de existir) prova inequívoca da corrupção do Inspector João de Sousa no processo! Algo como o Inspector a afirmar numa “escuta”: “Maria Alice, isto é um “fartote”! Já tenho em ouro mais um lingote!” Existirão com toda a certeza imagens do mesmo a receber e contar “dinheiro vivo”, com olhar de satisfação e expressão comprometida. Movimentos de conta suspeitos, talvez? Diamantes? Sinais exteriores de riqueza: a “casa-castelo”, não?!

Nada disso, mas aqui estou eu, ouvindo a Judite de Sousa a dizer, às 20h44, que o José já está em casa. Eu, no beliche, porque a fisiologia chama-nos sempre inopinadamente, com a bexiga a “gritar”, penso (porque distraído julgo-me em casa, onde não tenho televisão na casa de banho): “Tenho de ir urinar e vou perder o que estão a dizer!” Segundos depois, com um triste sorriso nos lábios, falo sozinho: “Parvo, a sanita está a um metro de distância do beliche. Estás na cela, o José é que já está em casa!”

O José Sócrates não apresenta “perigo de fuga”, o Inspector João de Sousa, sim!

O Inspector da P.J. apresenta “perigo de fuga” porque sabe que “efectivamente” vai ser condenado, uma vez que os seus crimes são graves (segundo o Ministério Público).

Desta vez não é a “presunção da inocência”, é a presunção do Ministério Público de que partilho a sua “tese de acusação”. Mais, muito possivelmente o Inspector João de Sousa tem um grande número de contactos a nível internacional que permitem garantir-lhe asilo num qualquer país, até porque para ele três filhos menores e mulher não são nada, ele gosta mesmo é de viajar!

Então e a “continuidade da actividade criminosa?” Atendendo ao teor da acusação, o Inspector  valendo-se dos meios ao seu dispor na Polícia Judiciária, facultava informações a terceiros: será que permitem-me, somente de quando em vez, consultar os ficheiros informatizados da P.J., se por acaso estiver em prisão domiciliária?

Acho que não: encontro-me suspenso de funções.

O Sócrates pode continuar a sua “actividade criminosa” agora? Caro(a) Leitor(a), não podemos esquecer que o José é “presumivelmente inocente”, até prova em contrário ele não cometeu crime algum! Eu? Bem … parece que sim, não é? Como?! Diz-me o Leitor(a) que “mostra-se reforçada a consolidação dos indícios” no caso do Sócrates?

Desculpe, mas eu perguntei primeiro porque não consigo explicar: “Por obséquio, alguém consegue explicar isto?!”

“Perturbação da ordem pública?” Para um vaidoso como eu, até que me reconforta o facto de eu estar recluído por perturbar, muito mais do que o José, a ordem pública.

O meu Director Nacional Adjunto até justificou a suspensão do pagamento do meu ordenado porque, segundo o seu despacho, se o pagamento se efectuasse e a imprensa soubesse, “com títulos a atirar para uma forma algo sensacionalista e conteúdos pouco rigorosos do ponto de vista técnico-jurídico, traduzir-se-ia no desprestígio da imagem externa e bom nome da Polícia Judiciária”.

Aqui está! Perturbo muito mais a ordem pública que o ex-1º ministro, e até sou responsável (quão tentacular é este Inspector) pelos conteúdos editoriais da imprensa nacional!

Ainda na sexta-feira, mais tarde, observo o José a entrar no prédio onde ficará em prisão domiciliária. Em rodapé, lê-se que vai jantar com o seu advogado. Eu, na cela, tento aproveitar o último “croissant” que a minha mulher fez entrar no domingo, dia 30 de Agosto. Está cheio de bolor. Tenho fome mas vai ter que ir para o lixo. Vou comer fruta. A maçã que o estabelecimento prisional “ofereceu”, que mirrada estava, agora está habitada por verme anelídeo que cava pequenas galerias no fruto desejado. Solução: interrompe-se o diligente trabalho mineiro e come-se o que resta!

Talvez agora, liberto, com mais tempo de antena, o José vai falar e denunciar tudo isto; as precárias condições de reclusão, os prazos da investigação, o atropelo constante da “presunção de inocência”. Sorrio, com um sabor ácido na boca: “talvez a minhoca não estivesse sozinha, tinha uma “ninhada”! Não faz mal, é proteína!”

Confesso-me muito preocupado e envergonhado!

Preocupado porque, atendendo a tudo isto (que não consigo explicar) eu devo ser o mais corrupto dos corruptos, sem condenação, arriscando pesada pena, conquanto aqueles que pelos mesmos crimes se encontram indiciados/acusados são presumivelmente inocentes.

A passada semana soube através da imprensa, que um colega meu está suspenso de funções, em liberdade, a aguardar julgamento. Acusado pelos crimes de corrupção passiva, associação criminosa, acusado de prestar informações a terceiros, num processo de furto, falsificação de documentos, tráfico de droga, incêndio, posse de arma e receptação.

Eu estou preso!

Sócrates, Vara, Lima Duarte, Ricardo Salgado, Carlos Santos Silva, Joaquim Barroca, Manuel Palos, Paulo Pereira Cristovão e restantes envolvidos no seu caso, o sucateiro cujo nome não recordo, o João Perna, o tipo que espanca a mulher, o pedófilo arrependido e sei lá mais quem, presumíveis inocentes até mesmo depois de condenados e em recurso, mas eu, o “tentacular-manipulador-corrupto-Inspector”, presumivelmente culpado, perturbador da ordem pública, potencial fugitivo! Estou preocupado!

Envergonhado, porquê? Estimado(a) Leitor(a), por mais que os meus progenitores adorem o seu filho mais novo, o que pensarão os meus quando toda a gente vê a medida de coacção revogada e o seu filho pródigo que não volta, encontrando-se há 17 meses preso? Só ele é que marcha bem, os outros todos estão errados?

Como explicar à minha mulher que o marido, cuja imagem que a acusação oferece do mesmo é a de um Alves dos Reis, um mentalista com lucros ilícitos desmesurados, tem que fazer contenção de despesas, viver da ajuda dos sogros e pais, assim como do auxílio da restante família e amigos?

O que digo à “ninhada” nas próximas visitas? “Está quase. Esperem mais um pouco!”

Parabéns a José Sócrates! Parabenizo o José por sair daqui, de “Ébola”, e porque dia 6 de Setembro, domingo, é o seu aniversário. Melhor prenda não existe: encontrarmo-nos entre aqueles que nos amam e que nós amamos, no dia do nosso aniversário!

58 anos! Ainda é uma “idade presidenciável”. Eu também faço anos este mês – 42 – será o segundo aniversário que passo preso, longe dos meus. Não me posso queixar, porque afinal eu sou “presumivelmente culpado”!

Num exercício desprovido de qualquer sustentação lógica – se outros o fazem porque não posso eu fazer – chego a pensar que existem presos políticos. Li a opinião do director da “Visão”, João Garcia, e atento ao título – “Afinal, há presos políticos” – julgo estar certo, julgo-me “preso político”. Depois, lendo o corpo do artigo, apercebo-me de que se trata de pura ironia. Raciocínio: eu não sou filiado num partido, logo não é para prejudicar a minha cor politica a manutenção da minha prisão preventiva.

Ainda que muita gente, jornalistas inclusive, tenham alertado para o facto de estar a “opinar crua e abertamente”, algo que pode estar a prejudicar-me, não creio ser por causa disso, pois assim seria de facto um “preso político”: a minha opinião é incómoda e tenho de ser censurado. Não creio!

Existirão portugueses de primeira (presumivelmente inocentes) e de segunda (presumivelmente condenados)? Sinceramente, não sei responder!

Por obséquio, alguém consegue explicar isto?

O Marinho e Pinto tinha razão: “Isto é o drama de milhares e milhares de cidadãos portugueses!” Eu, quando o José entrou aqui, pensei: “Agora tudo vai mudar. Este tipo vai contribuir para a análise válida do instituto da prisão preventiva, a forma de investigar em Portugal, os atropelos dos “direitos, liberdades e garantias”!

Que ingénuo, o Inspector João de Sousa!

A parelha de advogados já veio dizer que foi uma “vitória absoluta sobre a acusação”. Eu sei que são remunerados para protagonizarem momentos desta natureza, mas isto não auxilia o esclarecimento da sociedade civil.

O “povoão” vai considerar que quem não “vai para casa”, é culpado; quem vai, já não volta; se foi, é porque não têm nada; quem ficou, merece!

Quanto a mim… vou tentar arejar melhor os “croissants”, evitar que a minhoca invada a fruta podre, e esperar (em “apneia-de-mim-mesmo”) que alguém com poder para o fazer, verifique que um cidadão está há 17 meses sem julgamento, obedecendo à mesma lei que prevê a “presunção de inocência”; e mais importante que tudo o mais: não quer ficar mais um aniversário ou um Natal longe dos seus.

Já agora, só por descargo de consciência, considera-se tão inocente quanto o Sócrates (só para ver se pega, no caso do José pegou!)

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