Reflexões

Mais um capítulo do folhetim de cordel, deixo o meu tostão de contribuição, no meios dos seis milhões de votantes, do país com dez milhões de habitantes (outras tantas opiniões), e um milhão e cem mil que votaram num partido futrica, cujo dono do partido por eles é considerado o Messias Salvador. Como num culto. O fenómeno não começou agora. Vou só ali um pouquinho atrás da moita (porque nos cinquenta anos de democracia, temos 30 anos de múmia, cherne, coelhos, salgados, sócrates, etc – parece uma lista de buffet de casamento – com todos os casos de profunda corrupção que trazem acoplados.

Lá atrás quando acontece a crise de 2008/10 e as condições de vida se degradam visceral e profundamente, as feridas começaram a mostrar-se. Foram-se agudizando as vidas no nosso país periférico e de mão estendida, sempre recebendo promessas de melhoria, já sem o ouro do Brasil nem as riquezas das ex-colónias afunda-se encostado ao Altântico. Molhado já não tem como formar crostas. É encontrado moribundo, dão-lhe doses massivas de bolhas de oxigénio que iriam rebentar uma por uma. Emigram do país largas centenas de milhar de portugueses. Somos todos de bem – excepto alguns neo-nazis que votaram no culto. Pagamos impostos sobre o trabalho, sobre o que comemos, sobre as casas onde vivemos e queremos uma vida digna.

De subsídios a formações, a montes, a pagamento de bancas falidas por más práticas, dolo e negligência vivem uns ricos cinco por cento, que são os que abotoam o botão de punho e dizem que nos vão salvar. Não tenho problemas com o cigano João, ou a Maria com filhos que vivem do RSI. Tenho problemas com o BES e outras cenas.

Também eu, em nome destas causas que as vi acontecer na minha frente, descaradamente, podia ter votado no culto. Estamos no mesmo lugar. O problema é que o André não é o Messias Salvador. Longe disso. É um futrica da mafia, como o são os seus internacionais comparsas que lhe pagam e os nacionais que lhe deram a bula papal para existir.

E Portugal? Mantém-se o estilo miserento de salários baixos, más condições de trabalho, pouco vigor na economia, a venda a privados de todos os serviços públicos conquistados na rua do Arsenal, por Salgueiro Maia e por Amílcar Cabral na Guiné-Bissau. Um sem o outro não teríamos sequer o 25 de Abril em 74. Sim, este país deixou de ser para novos e para velhos, para a classe média e baixa, ou sequer para quem lhe quer bem. De estado comatoso passámos a ventilador com algumas horas por dia de respiração autónoma, mas muito limitada.

Até chegar o fenómeno El Nino fascistóide destes partidos que encontraram uma mina de diamante nas condições económicas e sociais que ofereciam uma paz podre. Minar o tecido por dentro como fazem as traças, é o que sabem fazer de melhor.

O objectivo é apenas um único – o poder autocrático.

Enquanto preparavam o terreno com muito e muito dinheiro não se sabe vindo de onde (ou talvez se saiba), para financiar estes Messias Destruidores, quem se diz de Esquerda na política, de Humanista e anti outros ista, assobiava para o lado não querendo ver. Ou vendo e fingindo que era só uma fase, como as crianças que aos cinco anos não querem tomar banho.

Não havia impulso, vontade e pensamento político em prol do colectivo para rapidamente se adaptar, ajustar, renovar e atacar o vírus, porque as tácticas de jogo político falaram sempre mais alto. E claro, o dinheiro e o poder berravam. Como uma doença auto-imune fomos atacados por dentro, por nós próprios. Desvairados, perdidos, confusos, indefesos vimos o cavalo entrar e deixámos.

Há anos que escrevo sobre estes assuntos porque senti na pele todas as ameaças, todas as consequências destas políticas selvagens e predatórias e só queria alertar. Fui obrigada a sair do país e continuo, mas sempre de olho atento. Voto, pago impostos em Portugal e por isso tenho direito a opinião. De cada vez que percebia e conversava com amigos sobre a viragem ao culto, que surgia por todos os lugares perguntava-me: “mas como é que podem acreditar que este homem histérico que promete promessas falsas, que diz que o seu regaço está cheio de rosas quando só tem o vazio, o nada, e os espinhos, com sede de pote e poder?

Consideram-no o Messias Salvador” e pior, que ele e a sua entourage são capazes de governar?

Será insatisfação, serão vinte motivos e um grito desesperado?

Sim porque razão e inteligência não é certamente.

É assim que funciona uma doença auto-imune. O sistema responde não à ameaça verdadeira mas confundido ataca-se a si próprio. Há aqui uma mentalidade importada – como aliás todo o capitalismo global actual o é – de culto, de lavagem ao cérebro que faz com que tantos como eu vejam o óbvio, mesmo sentindo na pele as dificuldades, a emigração, a dureza da vida, o esquecimento em que nos tornámos para os partidos políticos Portugueses, e o ver o regresso ao passado hoje.

Outros muito mais inteligentes e capazes que eu dentro desse milhão e cem mil votantes vêm o óbvio e no entanto acreditam. Atendendo ao que propaga o partido, este novo culto que usa a cor azul e o slogan do estado novo – deus pátria e família – que usa negros contra si próprios, ciganos contra si próprios, brasileiros bolsonaristas – imigrantes contra si próprios, mulheres contra si próprias. Como é isto possível? Como falamos a uma só voz – são as baratas que votam no DDT. Por fé, por descontentamento ou por interesse, acreditam neste Messias Salvador. Será culto? Parece um culto, falam como um culto, movimentam-se como um culto, é um culto.

Todos vemos o que se passa onde estes fenómenos têm acontecido e do qual já não nos livramos com facilidade – sobem os indíces da raiva, de medo, cresce a divisão, a manipulação, o racismo, o desejo de que o nosso vizinho morra se não for da nossa cor, naturalidade ou se não acreditam no mesmo deus.

É culpa de todos os que na política não quiseram (sabiam-no) fazer nada. Foram arrogantes, vaidosos, sentiram-se impunes, virados para dentro do seu saco escrotal usando o serviço público. Típico do capitalismo predatório contemporâneo global. Uma mesa abastada para política e políticos. Por isso dizemos “são todos iguais”. Claro que não são, mas à mesa nem todos têm lugar e fizeram a mesa assim, propositadamente para só alguns se servirem.

Eu acuso-os. O PSD de Sá Carneiro precisou de se coligar com dois abrunhos fedorentos para (mesmo assim) só conseguir ganhar por dois deputados. O estratagema usado foi a lawfare à Portuguesa. A tomada da Bastilha( os guardiães), através da Lei/Justiça, e poder. Perguntaram-se o milhão e cem mil votantes : então não vamos agarrar esta oportunidade? claro! O nosso Messias vai separar as águas para nós…e o culto em massa foi votar. Isto como está tem de acabar, o nosso querido líder vai-vos ensinar.

É o mesmo que considerarem que o Michael Corleone se transforma num bom rapaz quando entrar para a política. Espero que percebam a analogia. Há um pote com muito dinheiro, pós pandémico, que deve ir para serviços públicos, melhorar as tais condições de vida a todos os descontentes. O país seria mais feliz se fossem só seis milhões de habitantes, com dois milhões de votantes. Era mais fácil distribuir jeeps, montes e outros per diem.

Como muitos de nós percebemos que isto nem está melhor nem vai para melhor, deixo um conselho barato e utópico – que a coligação de frutos manhosos desta árvore que é Portugal – como vai ter muito dinheiro ao seu dispôr – governe distribuindo essa riqueza por onde deve e venha a conquistar o mapa azul da nova AR. Que o PS saiba olhar para dentro do seu saco de gatos e veja até que ponto a arrogância e a malandragem perdeu a rosa para o azul.

É que os cultos importados que roubam a justiça e o poder andam aí. Não há culto que não se desintegre quando os fiéis finalmente entendem o significado de futrica num romance de cordel do seu líder. Quero ver a elevação desta gente na AR. Será uma rom-com – tudo boa rapaziada.

Desejo que no meio do descontentamento e da frustração com estes tempos aziagos, os membros do culto acordem da viagem com cogumelos que andam a fazer. Por fim, desejo que um dia a esquerda seja de esquerda.

Ou assim.

Tomem lá um cravo, faz favor.

Anabela Ferreira

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