Tenho sempre os olhos postos em Moçambique. Hoje celebro 50 anos da sua independência em 1975, uma luta – guerra colonial – começada em Setembro de 1964, após 500 anos de colonialismo Português.
Não posso deixar de falar de Amílcar Cabral, que deu o pontapé de saída para a guerra anti-colonial. Foi ele que educou e influenciou o pan-africanismo pela África Portuguesa.
Pensemos bem na proporção : 500 anos de colonização versus 50 anos de Independência…
Por enquanto está tudo errado, por lá. Não se cumpriram ainda os sonhos dos libertadores. Há um povo inteiro que ainda vive à míngua. Que ainda não se viu reconhecido, validado nem lhe foi dado o poder. Os crimes que mataram Amílcar Cabral, Eduardo Mondlane ou Samora Machel mataram também as suas ideias. O ouro das suas vidas foi trocado para comprar ignorância e opacidade. Para manipular quem tem fome. É fácil comprar quem ainda não gosta de si próprio porque perdeu acapacidade de pensar.
Essa fresta foi barrada por matope trazendo-lhe todos os milandos que perduram. Sonho com tempestades que tragam o aclaramento das águas. E do matope renasçam os sonhos destes homens que não se venderam. Escrevo-lhe uma história, que tem a ver com uma menina de nome Sara, nascida no topo de uma mangueira, em Manica, horas após o ciclone Idai.
Sonho com um Moçambique a renascer no topo de uma árvore após o ciclone que o tem destruído nestes anos de independência. A sua dor e trauma vem de dentro de uma ferida profunda, na raiz da sua árvore, com 500 anos de destruição das suas Línguas, as suas culturas, a imposição do estatuto do indígena, a separação por cores (marcadamente o racismo como lei) nas escolas, nos transportes, na possibilidade de se educarem, guerra de independência, guerra civil, corrupção, sede de poder, sede de enriqueciment, os criadores de tanto outros traumas.
Moçambique é Sara
Um dia perdeu o norte. Atravessou dias de aguaceiros sem sol. As dores e as águas rebentavam-lhe as vísceras e os caminhos. Já não tinha para onde fugir com o poder das correntes de contracção e de dilatação. Num amanhecer, por detrás de um equinócio, vislumbrou novos pontos cardeais. Era feita de água que se pegava em água, rio com rio, até ser oceano. Neste encontro de amor viu uma arte desamparada, dádiva da vida. Sonhou-se dormindo com ela, casando,firmando uma livrança que selava a dívida. Uma densa árvore. Foi esventrada, rechaçada. Procurou proteger-se. A sua filha nasceria no olho daquela tormenta, protegida pela mangueira. Dos ramos sairia um fruto. Fez-se força, preparando outra pessoa, aprendendo com o ciclone. Dar-lhe-ia sonhos nos sonos. Hoje, no sono com pesadelos que dorme, artisticamente cria água pegando com água, rio com rio, até se tornar oceano em todos os sonhos. Acordada estava. Na copa de uma árvore. Chama-se Moçambique.
“Deus é negra e por uma razão simples: se o ser humano foi feito à imagem e semelhança de deus, então Deus é muito parecido comigo. É negra e é mulher”. Frase de Paulina Chiziane.
Parabéns Moçambique – pegando água com água, rio com rio, a tempestade aclarará as águas.
Todo o meu amor por aquela terra onde vivi, que serviu de ventre para alguns anos de histórias da minha vida.
Anabela Ferreira
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