Os filhos bastardos de Hitler

A História repete-se e actualmente estamos a viver o inicio da repetição, não como farsa mas como tragédia. Com novos rostos, com novas tecnologias, mas com os mesmos velhos métodos. Assistimos hoje no Médio Oriente ao que lembra os mais sombrios capítulos do século XX. Israel arrasa Gaza com uma ofensiva militar que, a cada dia que passa, confirma a definição formal de genocídio. Ao mesmo tempo, os Estados Unidos envolvem-se num ataque ao Irão sem nenhum fundamento válido, arriscando incendiar a região e mergulhar o mundo numa nova crise global. No centro desta barbárie, dois líderes tentam sobreviver politicamente à custa da vida de milhões, Benjamim Netanyahu e Donald Trump.

Desde o início da ofensiva israelita em Gaza, em outubro de 2023, de acordo com dados disponibilizados pela ONU e pelo Ministério da Saúde de Gaza, mais de 37.000 palestinianos foram mortos, dos quais cerca de 70% são mulheres e crianças. O número de feridos ultrapassa os 85.000, muitos dos quais com amputações e traumas permanentes. Todas, ou quase todas, as famílias na Faixa de Gaza perderam alguém neste genocídio. A destruição sistemática de infraestruturas civis, incluindo mais de 30 hospitais, escolas e campos de refugiados, agrava uma tragédia humanitária sem precedentes.

Poder-se-ia afirmar que os números que antecedem são por demais horríveis, mas o horror não se resume aos mortos. Mais de 1,1 milhão de pessoas, metade da população de Gaza, enfrenta fome extrema e risco de morte iminente por falta de alimentos, devido ao bloqueio imposto por Israel que impossibilita a entrada de alimentos, medicamentos e combustível. A ONU já declarou que Gaza está à beira de uma fome em massa induzida pelo filho bastardo de Hitler, vários relatórios alertam que bebés estão a morrer por desnutrição. Esta não é uma tragédia natural, é o resultado directo de decisões políticas e militares que visam destruir a vida civil como forma de pressão.

Neste contexto, Benjamin Netanyahu continua a sua guerra, não apenas contra o Hamas, mas contra a sobrevivência de todo um povo, enquanto enfrenta em Israel acusações graves de corrupção e abuso de poder. A guerra serve-lhe de escudo e de palco, a guerra serve para se salvar a si próprio. Enquanto mobiliza o medo, prolonga o estado de emergência e suspende o debate democrático.

Paralelamente, o recente ataque israelita a alvos no Irão, com o apoio direto e indirecto dos Estados Unidos, representa uma perigosa escalada regional. Não só foi um acto de agressão à margem do direito internacional, como ameaça alastrar o conflito a outros países, incluindo o Líbano, a Síria e o Iémen. O estreito de Ormuz, por onde passa cerca de 20% do petróleo mundial, é agora palco de tensões militares que podem desencadear um choque energético global, com consequências para toda a economia mundial.

E, no Ocidente outro filho bastardo de Hitler, Donald Trump mantém uma retórica cada vez mais incendiária. Apoiado por sectores ultraconservadores, fomenta o ódio, normaliza o racismo e descredibiliza qualquer oposição. Ignora as suas raízes de descendente de imigrantes alemães para construir muros reais e simbólicos contra outros povos. Como Netanyahu, também Trump enfrenta investigações e acusações judiciais, e também ele parece disposto a incendiar o mundo para se salvar a si próprio.

Chamar-lhes “filhos bastardos de Hitler” não é um exagero literário, é uma denúncia. São herdeiros directos de uma ideologia onde o poder se conquista e se mantém com sangue, propaganda e mentiras. A diferença é que agora ninguém, nem eles nem nós, pode alegar desconhecimento, os crimes estão documentados, os números são públicos, as imagens correm o mundo.

A comunidade internacional divide-se entre a hipocrisia diplomática, a impotência política e o proteccionismo cego. O direito internacional parece valer menos quando o agressor é um aliado estratégico do Ocidente. A Europa, em particular, vive uma hipócrita contradição insustentável, proclama os direitos humanos, mas assiste em silêncio ao extermínio de civis e à destruição metódica de um povo.

A barbárie de hoje não é um desvio acidental da História. É um regresso anunciado. E se não formos capazes de romper este ciclo, se continuarmos a proteger os exterminadores em nome da “segurança” ou da “geopolítica”,  estaremos, mais uma vez, a falhar com a memória, com a justiça e com o futuro.

Jacinto Furtado

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