Em Portugal, regressar ao tempo que as mulheres não podiam votar. Nem viajar sem autorização dos maridos. Regressar à elevada taxa de mortalidade materna e infantil. Regressar ao tempo do pequeno-almoço de aguardente e figos secos, ao almoço de açorda com um raminho de hortelã e ao jantar toucinho com pão e uma malga de sopa. Regressar ao tempo onde não existia planeamento familiar. Nem médicos. Regressar ao lenço preto e ao bigode. Regressar ao tempo da guerra colonial onde os homens iam morrer sem saber a razão de defesa do Império.
Regressar às prisões arbitrárias do regime. Às prisões por se ser comunista ou contra o regime fascista. Regressar ao tempo do silêncio e do medo. Da cabeça baixa e da submissão.
Regressar ao tempo em que irmãos matavam irmãos nas colónias do Império, porque a ditadura assim queria. Regressar ao tempo em que a mulher não podia estudar. Regressar ao tempo onde só as elites podiam viajar. Regressar ao tempo em que os livros eram controlados e proibidos. Em que a escrita e as cantigas eram censuradas. Regressar à fome. Aos ordenados miseráveis. Regressar ao trabalho infantil. Regressar ao sub-desenvolvimento. Regressar ao tempo quando a Igreja mantinha submissa,controlada e medrosa do inferno quem pecasse. E o pecado podia ser tudo. Regressar ao tempo de trabalho apenas na agricultura manual, poucos na indústria e menos ainda nos serviços. Regressar ao tempo em que uma família dormia na mesma cama. Regressar ao tempo que não deixava haver eleições livres. Ao tempo do analfabetismo. Ao tempo das cidades que eram pequenas aldeias. Regressar ao tempo de falta de estradas, da falta de transportes, da falta de saneamento e água de má qualidade. Sobretudo regressar ao tempo onde a liberdade era apenas uma miragem. Uma utopia.
Era uma vez um país. Era assim há 45 anos. Ontem. Nele vivi. Nele conheci todas as amarguras desta pobreza. A um país assim, onde eu não quero regressar nunca.
Anabela Ferreira
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