Jornal defende que está em causa “interesse público” porque existe “uma curiosidade das pessoas em geral sobre aspectos da vida do futebolista”.
O Correio da Manhã foi condenado por crime de devassa da vida privada agravada, por causa de uma notícia sobre a mãe do filho do futebolista Cristiano Ronaldo. A fonte de informação do artigo, uma antiga ama da criança, foi condenada pelo mesmo crime, refere a sentença dos Juízos Criminais de Lisboa, conhecida na passada sexta-feira. O jornal vai recorrer da decisão.
Em causa está a notícia Ama revela segredos do clã Aveiro, publicada a 6 de Agosto de 2011 na revista Vidas deste jornal, em que é ouvida Maria Manuela Rodrigues, que tomou conta do filho de Cristiano Ronaldo durante 10 meses. A ama dá pormenores sobre a forma como o filho do jogador de futebol teria sido concebido, dizendo que, para ser pai, Ronaldo teria recorrido aos óvulos de uma mulher e à barriga de outra.
No dia seguinte, a 7 de Agosto, o jornal Record publica uma notícia com o mesmo teor, não assinada, intititulada A secreta mãe de Cristianinho. Apesar de também ter sido acusada neste processo, a publicação desportiva acabou absolvida, por não se ter provado o envolvimento dos seus jornalistas, um vez que a notícia não era assinada.
Recorde-se que, quando o filho do futebolista nasceu, a 4 de Julho de 2010, este anunciou na sua página do Facebook que tinha sido pai, escrevendo: “Conforme combinado com a mãe do bebé, a qual prefere manter confidencial a sua identidade, ficarei com a custódia exclusiva do meu filho. Não serão reveladas mais informações sobre assunto e peço a todos que respeitem integralmente o meu direito (e o da criança) à privacidade”.
Em conflito neste caso estão sobretudo dois direitos. O Correio da Manhã e o Record dizem que a notícia se enquadra no direito à liberdade de expressão e de imprensa, defendendo haver “interesse público legítimo e relevante” na informação. Já o futebolista acusa os jornais, na pessoa dos seus directores e jornalistas, de terem violado o seu direito à reserva da intimidade da vida privada, crime punível com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 240 dias.
O juiz deu razão ao futebolista. O director-adjunto do Correio da Manhã, Armando Pereira, foi condenado a uma multa de 3900 euros, enquanto as duas jornalistas que assinaram o artigo terão que pagar 800 euros cada uma. Também a ama, “depositária da confiança da família”, foi multada em 1530 euros.
O advogado de Cristiano Ronaldo, Rui Patrício, considera que “a sentença constitui um marco importante acerca do equilíbrio entre a liberdade de imprensa e a reserva da vida privada.” Já o director do Correio da Manhã, Octávio Ribeiro, diz que a grande questão neste caso é o facto de a lei portuguesa proibir a existência de crianças de pai ou mãe incógnitos: “Isso era antes do 25 de Abril. Acha que algum bebé em Portugal pode não saber quem é o pai ou a mãe?”. Na sua opinião, com esta decisão “a partir de agora há uma justiça para pobres, outra para ricos e outra para o Cristiano Ronaldo”. A sentença aborda a questão, mas frisa que aquilo que é público “é a filiação e os demais dados do assento de nascimento, não a forma de concepção”.
Os jornais disseram em sua defesa que é Cristiano Ronaldo quem escolhe expor a sua vida privada, nomeadamente “publicando nas redes sociais comentários e fotografias do ‘Cristianinho’” e dando entrevistas em que “mostra as suas casas, onde dorme, onde come, onde passa os aniversários dos seus familiares”. O juiz considerou, porém, que “os arguidos tinham perfeita noção de que a notícia incidia sobre a esfera da vida privada, pois incidia sobre factos relacionados com a forma como terá sido concebida a criança.”
Os jornais invocam “o interesse público evidente”, uma vez que, “como é público e notório existe uma curiosidade das pessoas em geral sobre aspectos da vida” do futebolista. Um argumento que o tribunal não acolhe, dizendo que “os arguidos parecem confundir o interesse público com o interesse do público”. Existiria “interesse público relevante” se estivessem em causa “factos cujo acontecimento pudesse influir no leque de escolhas que o cidadão tem o direito de fazer nos planos social, político, cultural e económico, numa sociedade democrática e aberta”. Ora nada disse acontece, uma vez que o que está em causa “é a satistação da natural, admite-se, curiosidade sobre aspectos da vida privada de alguém que alcançou notável de projecção mediática”. A situação seria diferente se estivessem, por hipótese, em causa “actos da vida privada de um estadista ou de alguém que, por qualquer forma, gere a coisa pública”, refere a sentença. “Sem desprimor (…), por mais conhecido que seja”, Cristiano Ronaldo “não deixa de ser apenas um mero desportista”, não estando em causa nenhum facto relacionado com a sua actividade profissional.
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