Na sequência da vitória eleitoral do Syriza na Grécia, os últimos dias tem sido marcados pelas negociações bilaterais das autoridades gregas com vários governos e instituições europeias.
A Grécia tem vindo a apresentar planos de renegociação da sua dívida que lhe permitam pagá-la e simultaneamente dar à sua economia a possibilidade de crescer, debelando de passagem a crise humanitária que assola o país.
As respostas dos vários governos tem sido de abertura a uma possível renegociação colocando, no essencial, a linha vermelha na recusa de aceitar, em qualquer caso, um perdão de dívida. Mesmo a própria Alemanha diz aguardar as propostas gregas para se poder pronunciar posteriormente.
Pois bem, é neste contexto que, há poucas horas, o BCE veio anunciar que deixa de aceitar a dívida pública grega como colateral (garantia) no financiamento aos bancos gregos. Estes poderão apenas financiar-se junto do Banco Central grego, dentro das possibilidades em que este o possa fazer.
O objetivo do BCE é obrigar Atenas a obrigar a Grécia a aceitar as condições do resgate da Troika que vence a 28 de Fevereiro, abrindo-lhe as portas do financiamento, e recuando com todo o programa eleitoral que o Syriza apresentou aos eleitores e que foi sufragado por larga maioria.
Já se esperava uma manobra deste calibre. Os carnívoros não largam a presa, a não ser sob ameaça de morte certa. O BCE, de europeu cada vez tem menos, e cada vez tem mais de Banco Central da Alemanha. O euro é uma espécie de antigo marco travestido de tons azuis que, de celestiais, só tem promessa de conduzir os mais pobres ao Reino dos céus de forma expedita.
Mas a jogada é de risco. A decisão, conhecida apenas no início da noite de hoje, de imediato colocou o Euro sob pressão, e este desvalorizou, em decorrência, 1% em poucos minutos. As bolsas europeias, que nos últimos dias tinham vindo a ter ganhos consideráveis, nomeadamente a bolsa grega, amanhã abrirão no vermelho certamente, e a desvalorização do euro face ao dólar irá acentuar-se num nível que será seguramente significativo.
Se o objetivo é obrigar a Grécia a sair do Euro, então este é o primeiro passo para a concretização de tal estratégia. Mas então a Europa que não se queixe da sua própria desagregação. A arquitetura do Euro, edifício de frágil construção, não irá aguentar uma saída de um dos seus membros. E já nem sequer vou falar da letra dos Tratados, os quais só vigoram e são imutáveis quando servem à Alemanha para impor regras, sendo reescritos quando não satisfazem as suas conveniências. Basta pensar que o financiamento aos países da zona euro é dependente, no essencial, dos mercados financeiros globais, e o risco de uma subida em espiral das taxas de juro, mormente dos países periféricos, e simultânea escassez de liquidez, não será uma probabilidade mas sim uma certeza.
E a Europa que não se queixe se a Grécia, empurrada para fora da Europa, se voltar para outros amplexos, favorecidos até pela sua própria geografia, seja a Rússia, seja a própria China. Já não falando da sempre vigilante atenção que os EUA não deixam de dedicar ao tema. O próprio Obama, usando a sua inequívoca magistratura de influência, endereçou aos governos europeus, o subtil conselho de irem ao encontro das posições gregas, prosseguindo a procura de consensos pela via negocial.
O que Merkel e Draghi ainda não perceberam é que não há, na Grécia, retorno possível relativamente às propostas eleitorais ganhadoras, e que nunca será possível a Tsipras continuar com o plano da Troika, e sequer negociar com ela, nos termos e moldes que esta costuma impor.
A tónica das propostas gregas, aceitando pagar a sua dívida, tem sido no sentido de ser permitido que o país possa reorganizar a sua economia, debelar a crise humanitária, criar emprego e ter esperança num rumo novo. Merkel, à boa maneira hitleriana, e todos os seus germanófilos seguidores nesta Europa de egoísmos e “salve-se quem puder”, acha que os gregos devem ser sacrificados na pira da fome e da miséria, como muitos outros, judeus ou não, o foram nas câmaras de gaz, durante a Segunda Guerra Mundial.
Neste cenário, as posições só podem endurecer de parte a parte, já que esta decisão do BCE não pode revertida no curtíssimo prazo, se Draghi constatar que não teve o efeito desejado. Ou seja que não conseguiu anular as pretensões gregas de renegociar a sua dívida, pagando-a em moldes diferentes daqueles acordados com a Troika. Isto porque, admitirmos que um Banco Central se possa dedicar a fazer “bluff”, e a jogar poker com caves de milhões é demasiado insólito para ser verdade.
Mas quem sabe. Não vivemos tempos normais, e o Mundo é cada vez mais um local perigoso.
(*) Nota da Redacção: Estátua de Sal é pseudónimo dum professor universitário devidamente reconhecido pelo Noticias Online.
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