As tabelas de retenção na fonte do IRS para 2014 entram hoje em vigor e são em tudo iguais às que vigoraram no ano passado. Ainda assim, na função pública, o valor líquido dos salários vai alterar-se e quem ganha 1500 euros brutos irá receber menos 93,90 euros entre dezembro e janeiro. Esta quebra de 8,6% não surge por causa do imposto, sendo sobretudo devida ao efeito dos novos cortes salariais e à subida da ADSE.
As tabelas do IRS não deixam margem para dúvidas: em 2014, a generalidade dos portugueses vai continuar a sentir o “enorme aumento” de impostos. E se junto dos privados tudo continuará como antes, entre os funcionários públicos vão sentir-se diferenças: à primeira vista, a maioria até irá pagar menos IRS, mas isso apenas sucede por causa do corte salarial, ou seja, porque o valor que serve de base ao imposto é agora mais pequeno.
O conjunto de simulações efetuadas para o Dinheiro Vivo pela PwC (veja aqui os exemplos) mostra que um funcionário público que ganha 700 euros por mês pagou em dezembro de 2013 (mês em que a retenção na fonte foi igual à praticada no sector privado) 58,5 euros de IRS. Em janeiro, a parcela do IRS irá ser de 56,33 euros. O imposto é menor (em 2,17 euros), mas o salário líquido também, descendo de 599,35 euros para 574,67 euros.
Pode consultar as tabelas aqui e leia também: Acerto do IRS irá dizer se retenções são ajustadas
Esta redução do rendimento líquido mensal é transversal aos vários patamares de salários, ainda que o valor seja diferente devido aos novos cortes salariais. É que, enquanto de 2011 a 2013 estes cortes apenas incidiam sobre as remunerações que ultrapassassem os 1500 euros e apenas previam uma taxa direta de 10% para salários acima dos 4200 euros, neste ano abrangem todos os que ganham mais de 675 euros, havendo uma taxa direta de 12% para os que ultrapassem os 2000 euros brutos.
É esta alteração na progressividade dos cortes que explica (em parte) que um salário mensal de 2000 euros brutos reduza neste ano, em termos líquidos, cerca de 118 euros face a 2013 e que uma remunerações de 3500 euros “apenas” encolha 106 euros. Esta redução dos líquidos está ainda influenciada pela subida do desconto da ADSE, que vai passar para 3,5%, contra 2,25% em dezembro último.
Do lado do sector privado, não há alterações na retenção na fonte caso o valor do rendimento e a situação do agregado se tenha mantido igual à observada em 2013.
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Mas ainda que em termos nominais as tabelas de retenção (e a sobretaxa de 3,5%) se mantenham, em termos reais a tributação agrava-se pelo efeito da inflação, havendo, por isso, uma erosão do rendimento mensal disponível. Isto acontece porque, como sublinha Manuel Faustino, especialista em impostos e antigo diretor do IRS, os escalões de rendimento coletável anuais e as respetivas taxas ficaram congeladas, não tendo sofrido qualquer atualização neste ano. Recorde-se que, no início de 2013, o Governo decidiu reduzir de oito para cinco os escalões do IRS, criando novos patamares de valor limite, que neste ano se mantiveram inalterados. Além disso, o indexante de apoios sociais (IAS), que serve de referência às deduções específicas, está também congelado há já vários anos.
Em termos técnicos e uma vez que ao nível das deduções, escalões e taxas nada mudou, também não haveria razão para mudar as tabelas de retenção na fonte. Porque estas “são instrumentais” no IRS, uma vez que apenas tentam antecipar o valor do imposto que cada contribuinte tem a pagar quando proceder à entrega da declaração anual. Desta forma, o Governo não tinha justificação “nem para aumentar nem para baixar as taxas de retenção”, observa Manuel Faustino. E se por acaso optasse por baixá-las, isso “seria reconhecer que esteve a reter mais do que devia” durante o ano passado.
Neste ano, a retenção na fonte do IRS (ou seja, o valor do imposto que empresas e serviços públicos têm de reter ao salário mensal dos seus trabalhadores para entregar ao Estado) da função pública volta à “normalidade e a “harmonizar-se” com a do sector privado. Em 2012 e 2013, por causa da suspensão dos subsídios de férias e de Natal, primeiro, e de um dos subsídios, depois, o Ministério das Finanças teve de conceber tabelas de IRS distintas para os trabalhadores do Estado, de forma a que estes adiantassem o valor de imposto equivalente a 12 e 13 remunerações e não a 14.
Mas o chumbo do Tribunal Constitucional ao corte do subsídio de 2013 veio pôr fim à justificação para a existência de duas tabelas. Ainda assim, o Governo optou por mantê-las até outubro, tendo efetuado o acerto das retenções em novembro. No mês seguinte, os serviços processaram já os salários com base na tabela em vigor para o sector privado.
Estas mudanças no IRS e agora os cortes salariais fazem que, na prática, as remunerações líquidas tenham reduzido em dezembro e voltem agora a cair. Os militares e forças de segurança foram dos primeiros a confrontar-se com o efeito de todas estas medidas no seu recibo de vencimento e, tal como o Dinheiro Vivo noticiou, não gostaram do que viram.
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