Querida Catarina Martins,
Por via dos desvios à democracia a que temos assistido nos últimos dias, ocorreu-me escrever-te esta carta.
Antes de continuar, quero dar-te os parabéns. E recordar-te que deves também à “Direita” os resultados destas eleições. De facto, os votos depositados no Bloco, não são votos nas políticas do Bloco. Isso, parece-me claro (as pessoas não são assim tão inconscientes, nem apoiam a proibição do piropo, ou a cozedura de caracóis vivos). São votos de protesto contra a situação de alternância instalada. Evidentemente, a prestação da Mariana Mortágua na comissão de inquérito ao caso BES, foi a rampa de lançamento do Bloco, que tu soubeste amplificar durante a campanha eleitoral, com daquele olhar teatral que lançaste ao António Costa no final do debate que vos opôs (opôs, é a palavra certa).
Centremo-nos no essencial. Porque é que PS, PCP e BE não fizeram uma coligação pré-eleitoral e se apresentaram assim ao eleitorado? Porque é que o BE e o PCP atacaram o PSD e o PS com a mesma força? A resposta, é a mais óbvia: porque o que vos separa do PS é muito mais do que aquilo que vos une e nunca conseguiriam entender-se em torno de um programa eleitoral comum que pudesse merecer a preferência de uma maioria de eleitores, assim, esclarecida, quando ao potencial efeito do seu voto e ao programa de governo que teriam escolhido (e não escolheram). O eleitorado socialista é política e sociologicamente semelhante ao do PSD, ao contrário do que ocorre relativamente ao eleitorado comunista e bloquista. Ideologicamente, o PS está muito mais próximo do PSD do que dos partidos à sua esquerda. Não é por acaso que se fala no “bloco central”. Os acordos estruturais a que o país está vinculado, são ideais comuns ao PSD e PS, mas não ao BE e o PCP: Europa, moeda única, NATO, economia de mercado, tecido empresarial essencialmente privado, democracia plural, objectivo de equilíbrio orçamental e respeito pela propriedade privada
A tudo isto acresce que, aparecer em público ao lado de Costa, não dá aliás boa fama a ninguém. E tu percebes o que te digo, não fosse aquele artigo do “ESQUERDA.NET” onde o teu Partido deu conta da negociata escabrosa entre que envolve esse destacado membro da família Salgado, nº2 do tal Costa na Câmara Municipal de Lisboa, relativa ao quartel de Bombeiros de Carnide e à ampliação do Hospital da Luz. É apenas um exemplo, como bem sabes, ao qual podemos acrescentar aquela entrevista à TSF que denuncia potenciais alterações ao Estatuto do Ministério Público no sentido de o MP ter de dar pleno conhecimento ao governo de qualquer investigação que incida sobre um membro desse governo (que bela interpretação do segredo de justiça e do princípio da separação de poderes, Catarina!!…); Ou o caso do apartamento duplex da Av. da Liberdade… A concessão do Porto de Lisboa… Ou aquela recusa continuada (com as autárquicas à porta…) em exibir um relatório sobre as contas e obras do município de Lisboa, com o fundamento, ventilado pelos advogados privados contratados a preço de ouro, segundo o qual «a publicidade destes relatórios permitirá um maior escrutínio público e até judicial ao poder político»: Fantástico! É fantástico ver-te negociar com “isto. E já não falo nas grandes obras da autarquia como a Feira popular e o Parque Mayer…Ou sequer nas taxas de saneamento em Lisboa… Ah! E ainda te lembras porque é que o Governo de Guterres caiu? Eu lembro-me…
Bom: mas vamos ao que (te) importa (que não é e nunca foi o essencial). Não gosto de te ver a negociar com o António Costa. Nem vos reconheço aliás legitimidade para negociar o que quer que seja um com o outro.
Porque é que não lhe reconheço, a ele, legitimidade para negociar contigo? Bom… Desde logo, porque a Comissão Política do PS decidiu agendar um Congresso, para escolher o novo Secretário-Geral e definir a estratégia pós-legislativas. Significa isso que, Costa, além de ser um líder fragilizado pela derrota (que não foi poucochinha…) quando estava obrigado a capitalizar sobre 4 anos de governação em austeridade, e que já é a segunda (perdeu a Madeira como bem sabes), é também um líder interino e sobretudo, sem estratégia. Quer-me pois parecer que esta negociação significa um exercício jocoso sobre a inteligência de quem a tem ou, para variar, um aproveitamento indecoroso da falta de cultura política da maioria dos portugueses.
E porque é que não te reconheço, a ti, legitimidade para negociar com ele? Em primeiro lugar, porque quem em ti votou, não te mandatou para isso. Antes, quem votou BE, exerceu um voto de protesto, determinado pelo “tom” da tua campanha, onde te opuseste às políticas de Direita plasmadas naquela coisa a que o PS chamou programa e que nem os seus autores conseguiram explicar. Ou seja, tal como muitos eleitores PS já se arrependem de ter votado PS, porque são de “centro-esquerda” e não de “esquerda radical” (é como é…), paralelamente, muitos dos eleitores BE não se revêm num acordo entre o partido em quem depositaram a última esperança (pobres almas!), e um PS que fez proliferar a fraude dos recibos verdes, a contratação a termo, as empresas de trabalho temporário, as PPP’s e as “grandes festas” como a do Parque Escolar e cujo anterior líder, está preso. Digo “um PS” porque, aquilo, hoje, é um “saco de gatos”, onde se sucedem demissões, purgas e saneamentos (sempre muito democráticos e tendo em vista a “união” do partido…).
Enfim. Vamos deixar as coisas claras: para nós, cidadãos politicamente esclarecidos, não queremos um governo de falhados e derrotados. Nós, cidadãos fora das “lógicas” partidárias, não toleraremos um golpe de estado anti-democrático do qual resulte um governo liderado pelo PS com o “fundamento” que que houve uma maioria de eleitores, no caso de 61,5%, que rejeitaram o PSD/CDS. Essa premissa é verdadeira, mas acarreta que seja igualmente válido o argumento segundo o qual temos então 67,6% de eleitores que disseram que não queriam um governo liderado pelo PS. E 89,8% dos eleitores rejeitaram a política defendida pelo Bloco de Esquerda. E 91,7% rejeitaram a CDU.
Nós, cidadãos de múltiplas ideologias e que votámos em vários partidos, não escolhemos essa opção. E tu não és ninguém para presumir o que pensam aqueles que não votaram em ti e que representam, só, 89,8% dos eleitores. Diga-se de passagem, muitos dos que votaram em ti revogariam o seu voto se isso lhes fosse possível.
A vida, querida Catarina, não é uma das tuas peças de teatro. Se fosse, eu era Anarquista. E como dizem os anarquistas, “se o voto é a arma do povo, mal votaste, ficaste desarmado”. Prepara-te, Catarina. Já votámos e estamos desarmados. Mas nas próximas eleições, saberás a que é que sabe o chumbo das nossas balas. Sendo eu dos que pensa que o caos antecede a ordem e que, por isso, para este país algum dia ir a algum lado, é preciso que bata primeiro no fundo, não partilho porém a opinião dos que pensam que é por tudo boa ideia alçar António Costa a primeiro-ministro desta república de bananas e deixar o tempo (ou o Princípio de Peter) fazer o resto. Há muitas coisas que as convulsões sociais que avassalarão o país, no próximo resgate, poderão trazer. E muitas que farão, seguramente, desaparecer…
Com votos de que ganhes juízo, aceita os protestos da minha mais viva estima e elevada consideração,
Respeitosamente e ao teu dispor,
Dino Barbosa.
P.S.: Espero que não fiques incomodada por te tratar por tu… Afinal, és de “Esquerda”.
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