A recente ofensiva israelita em Gaza suscita enorme indignação mundial mas, mesmo assim, insuficiente para mobilizar a chamada comunidade internacional contra o morticínio desencadeado pelo Estado sionista.
O antiquíssimo conflito israelo-palestiniano, cuja história, mil vezes evocada, me dispensa de comentar agora de novo, não só constitui um clamoroso atentado ao direito internacional (talvez a provar que esse direito internacional não existe) como é uma das mais evidentes causas da ascensão do fundamentalismo islâmico e da desintegração (certamente desejada por muita gente) do Médio Oriente.
A propósito da carnificina em curso, e pela sua pertinência, transcrevo o texto intitulado ‘Gaza’ ontem publicado pelo meu amigo embaixador Francisco Seixas da Costa, desde o tempo em que foi embaixador de Portugal em Angola a partir de 1982:
Vai para duas décadas, dormi uma noite na Faixa de Gaza. Embora fosse novembro, a noite estava quente e abafada. A insónia fez com que eu me sentasse, por algum tempo, na varanda da espartana “guest house” que o governo de Arafat me tinha destinado. Recordo-me de ter dado por mim a notar o pesado silêncio da noite daquela que era, e ainda hoje é, uma das zonas mais densamente povoadas do mundo. Só ao fim de uns minutos realizei que, tendo sido assassinado horas antes o primeiro-ministro de Israel, Yitzhak Rabin (*), aquela não era para Gaza uma noite normal, numa terra que se habituou a conviver com a insegurança. O silêncio significava então algo mais: o medo.
Os últimos dias e noites não têm sido fáceis em Gaza e as muitas centenas de mortos árabes, para punir a mão-cheia de vítimas israelitas, repetem um “script” que todos conhecemos de cor.
Não faço a menor ideia de como vai acabar, se é que algum dia vai acabar, o triste conflito israelo-
palestiniano. Uma coisa tenho por certo: as humilhações e os padecimentos, somados à pobreza e à raiva que vêm com eles, são o irreversível caldo de cultura em que foram criadas várias gerações de palestinianos. Nunca uma paz sustentável se construiu sobre a persistência do ódio e Israel sabe bem que, com esta sua postura, afasta, dia após dia, as hipóteses de uma paz negociada, numa guerra que nunca vai poder ganhar em absoluto. Pelo contrário, com a sua política de permanente desprestígio da Autoridade Palestiniana e desprezo notório pelas vidas dos seus vizinhos, Israel dá adubo ao terreno onde prosperarão sempre o Hamas e outros grupos radicais. O governo de Telavive recorre, ano após ano, às abções militares que só geram novos e eternos inimigos nas populações civis árabes, fartas de ver nascer, como cogumelos, sucessivos colonatos judaicos – sob a cínica complacência internacional – que afastam, a cada hora, a sua esperança de retornar à terra que as resoluções da ONU lhes atribuiu, mas que ninguém consegue obrigar Israel a cumprir.
Perante o mundo, desde os “taken for granted ” EUA até à pusilanimidade europeia, os palestinianos
parece só terem o dever à sua ritual humilhação. Israel, na assunção eterna do “direito” messiânico à “terra prometida”, potenciado pela exploração do usufruto da memória da barbárie nazi e, mais recentemente, da onda anti-muçulmana depois do 11 de setembro, tem sempre mão livre para tudo quanto entenda fazer, não se lhe aplicando a condenação que atitudes idênticas provocariam, se acaso tivessem sido outros Estados a praticá-las. Por muito que alguns actos palestinianos sejam condenáveis, o saldo da violência israelita é incomensuravelmente maior, é uma insuportável bofetada no Direito Internacional, assumida com arrogância e com uma cegueira histórica que um dia acabará por se voltar, em definitivo, contra o Estado judeu.
Termino com uma pergunta: por que razão Israel não aceita que as Nações Unidas coloquem observadores internacionais com a responsabilidade de vigiarem as linhas de separação entre o seu território e as áreas atribuídas às autoridades palestinianas, que, por exemplo, facilmente poderiam denunciar os ataques feitos destes últimos para o seu território? É na resposta nunca abertamente dada a esta questão que reside a chave da verdadeira atitude de Israel perante todo este problema.
O Historiador e Professor judeu Norman Finkelstein, autor do livro «A Indústria do Holocausto», entre outras obras de grande valor para o real conhecimento académico do conflito ISRAEL+EUA versus PALESTINA, considera igualmente «que não há nada mais desprezível que usar o seu sofrimento e seu martírio do passado para tratar de justificar a tortura, a brutalização, o assassinato em massa, a demolição das casas, que Israel comete diariamente contra os palestinos, usando os mesmos métodos que os seus carrascos nazis usaram contra os judeus».
Para Finkelstein, cujos pais e restante família falecida estiveram no Ghetto de Varsóvia e no campo de concentração de Auschwitz, trata-se de uma manipulação sionista do sofrimento dos judeus europeus durante a II Guerra Mundial, e o Holocausto tornou-se uma indústria que exibe como vítimas o grupo étnico-social mais bem-sucedido dos Estados Unidos e com o maior número de magnatas milionários, permitindo então a apropriação de mais recursos financeiros e, ao mesmo tempo, articulando uma campanha de autopromoção por meio da imagem de vítimas.
Outro ponto mencionado no livro de Finkelstein é o pagamento de indemnizações aos sobreviventes que, de acordo com a demonstração da sua tese, o dinheiro não chega ao seu destino e, no extremo do exagero, o número dos ainda sobreviventes dos campos de concentração é aumentado para chantagear bancos suíços, indústrias alemãs e países do Leste Europeu, sempre em busca de mais verbas.
(*) Yitzhak Rabin foi assassinado pelo extremista sionista Yigal Amir, que se opunha à assinatura de Yitzhak Rabin com Yasser Arafat dos Acordos de Oslo.
NOTA – Francisco Seixas da Costa não deixa de referir neste seu texto um dos aspectos mais marcantes do sionismo, que é a “exploração do usufruto da memória” do nazismo. Trata-se de uma excessiva vitimização do povo judeu e de uma chantagem permanente dos sionistas ao ocidente para que este seja condescendente com a barbárie que hoje praticam contra os palestinianos, como se tivessem sido estes os culpados do holocausto.
Por Telmo Vaz Pereira
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