Desde Setembro que vários dos meus leitores habituais no Facebook me têm vindo a comentar que os meus artigos, publicados no noticiasonline.eu e depois partilhados naquela rede social, deixaram de aparecer no feed de notícias (a que cada um de nós acede sempre que entra no facebook) e que para os lerem tinham que aceder directamente ao meu perfil. Decidi-me então a proceder a uma verificação mais completa e rigorosa desta questão, para a qual agradeço desde já a prestimosa ajuda de todos aqueles que comentaram no Facebook e os que me enviaram mensagens privadas, sms e e-mails.
E a conclusão é muito clara: o Facebook, ou melhor, quem nele manda, segundo parece sob a justificação de querer preservar a sua natureza lúdica e de limitar mensagens e debates de ideias de natureza política – reeditando assim a lógica e os métodos da velha e estafada frase do antigamente de que “é proibido discutir Política!” – está a condicionar, e de forma cada vez mais óbvia, a leitura dos meus artigos, mas não de textos ou fotografias com outra índole, ou seja, tudo aquilo que “cheire” a política aos oficiais do novo lápis azul, do alto dos seus “elevadíssimos” critérios, é limitado à visualização no feed de notícias por parte de apenas 25, 30 pessoas.
Por outro lado, e tal como também me pude aperceber entretanto, esta forma capciosa de impedir, ou, pelo menos, formatar e controlar o debate de ideias não ocorre apenas comigo, antes se verifica com um número crescente de cidadãos, que podem até perfilhar pontos de vista muito diversos e inclusive opostos, mas que têm em comum algo que, para os donos da Comunicação Social, e agora também para os das próprias redes sociais, se mostra indesejável e perigoso e que, por isso mesmo, importa desvalorizar e silenciar: isto é, o facto de tais pessoas se assumirem como cidadãos activos e conscientes, de rejeitarem agir e ser tratados como carneiros e de não abdicarem de ter, de expressar e de partilhar uma visão consciente e crítica sobre tudo aquilo que os cerca.
No fundo, trata-se de mais uma evidência daquilo que se vem vivendo no conjunto da sociedade, onde o silenciamento das vozes críticas se mostra essencial para o processo de sucessiva deterioração da Liberdade e da Democracia e da crescente imposição de lógicas, teorias e práticas verdadeiramente fascizantes.
Assim, a situação social e económica agrava-se (a ponto de, segundo os próprios dados oficiais, mais de metade dos portugueses, com os salários e pensões miseráveis que recebem, já não conseguirem fazer face às despesas normais do seu agregado familiar!…), o desespero social cresce, a erosão dos direitos cívicos mais básicos, de par com o crescente desencanto com a Política e com os políticos que lhes surgem pela frente, agrava-se e alastra, qual doença altamente contagiosa, e alimenta-se tanto o mais feroz individualismo, como os ressentimentos e os ódios mais primários contra os “outros”.
Torna-se premente evitar que as pessoas pensem e debatam, séria e criticamente, identifiquem de forma correcta quem verdadeiramente as explora e espezinha, se unam e se organizem, e, sobretudo, ousem tomar os seus destinos nas próprias mãos… Se tal puder ser eficazmente evitado, formar-se-ão, e de forma crescente, legiões de desorientadas e desesperadas multidões sem direitos, sem organizações que verdadeiramente as defendam de forma consequente, tornando-se assim não apenas facilmente manipuláveis, como alvo da actuação dos “especialistas” e, sobretudo, dos demagogos de toda a ordem, enfim, dos miríficos “Salvadores da Pátria”. Estes, como sempre tem sucedido ao longo da História – e por isso mesmo o desconhecimento desta, bem como o desprezo pela Cultura e pelas Humanidades em geral desempenham um relevantíssimo papel de aculturação e manipulação das massas –, sabem bem vestir a pele de cordeiros enquanto ainda buscam o Poder, pregando o respeito pelos valores da “tradição”, da “estabilidade” e da “ordem”, declarando combater a corrupção e a desordem, mas, assim que “lá” chegam, despem rapidamente tal pele, mostrando então os dentes às claras, perseguindo e destruindo todos os que se lhe atravessem no caminho.
E é, uma vez mais, a memória colectiva – que, compreensivelmente, hoje em dia tanto se procura apagar… – que nos mostra como as maiores barbaridades aparecem, então e com uma perturbante facilidade, ideologicamente embaladas e servidas como coisas normais e até cientificamente certas ou politicamente correctas, e aqueles que as executam são, com uma frequência aterradora, cidadãos comuns que se “limitam” a cumprir ordens dos chefes, e a si próprios e perante a própria comunidade se procuram dessa forma justificar pelos crimes que cometeram.
Ora, quando hoje em dia, de novo e como nos tempos de antes do 25 de Abril, se pregam frases como “a minha Política é o Trabalho!”, “ordens são ordens, e são para cumprir!“, “a Democracia é uma bandalheira!”, “a culpa é dos (todos) partidos!”, etc., ou quando se acha bem que se discrimine, se silencie ou até se persiga alguém simplesmente porque tem uma dada etnia ou nacionalidade, ou porque perfilha ou simplesmente simpatiza com uma determinada ideologia ou um credo religioso (como vem sendo generalizadamente praticado entre nós, tal como em toda a Europa, inclusive nas “democráticas” França ou Alemanha, por exemplo, seja a propósito da pandemia da covid-19, da guerra na Ucrânia ou do massacre em curso em Gaza) é exactamente por esse caminho fascizante que se está afinal a caminhar, caminho esse que será tanto mais facilitado quanto o cidadão não tiver princípios nem ideais, não se habituar a pensar pela sua própria cabeça, não conhecer a História, e se deixar facilmente cativar pelo secundário, pelo simplista, pelo sensacionalista, pelo aparente, pelo sucesso do momento. E, claro, também se, ao entrar no seu Facebook ou outra rede social, apenas encontrar os habituais parabéns, as florzinhas, os animais de estimação, as reacções contra o último penálti mal assinalado, mas não as publicações daqueles que procuram exprimir uma posição sobre uma questão social ou politicamente relevante…
Debater, por exemplo, para onde estão a ir, como e porquê, os avultadíssimos fundos do PRR, ou a “ilha ferroviária” em que Portugal está, cada vez mais, a ser transformado (mercê da errônea persistência na bitola portuguesa e não na europeia), ou as razões e as medidas a tomar quanto a uma Justiça (em particular a Criminal) que claramente não funciona bem mas que não presta contas a ninguém do que faz ou deixa de fazer, ou, enfim, as (péssimas) condições de trabalho e de salários com que têm de (sobre)viver a maioria dos trabalhadores portugueses (em flagrantíssimo contraste com os fabulosos e milionários lucros dos Bancos e das grandes empresas como a Galp, a EDP, a ANA-Vinci) não é algo que interesse aos verdadeiros “Donos Disto Tudo” da Comunicação Social e das redes sociais, muito em particular se for para exprimir posições diferentes ou até contrárias ao pensamento dominante. E, assim, quem porventura o queira fazer, cada vez tem naquelas menos lugar…
Deste modo, e por todas estas razões, o debate sobre esta avassaladora ausência de debate é, e cada vez mais, não apenas uma basilar exigência cívica como também uma condição essencial de preservação da Democracia, em que todos os verdadeiros democratas devem atentar com seriedade e agir com convicção. Antes que seja tarde demais!…
António Garcia Pereira
A “arte” de governar torna-se sobejamente mais fácil num povo acrítico. A fórmula é antiga.