“Voltem para as vossas casas pretos de merda, mexicanos de merda, portugueses de merda” ..,
Voltem para casa, migrantes… que somos todos nós. Para qual casa?
Quantas vezes ouvi frases como estas vindas de gente ignorante. Em Portugal – e outros países europeus – vinda de brancos, em África vinda de pretos. Ambos racistas. Ambos ignorantes. Ambos marcados pelo medo do outro. Um dia a educação salvará ambos. Na ausência do medo do outro.
Enquanto isso não acontece olhemos para o mapa de África ocupado por povos migrantes europeus. Olhemos para o mapa da América ocupado que foi pelos povos europeus que migravam. E assim pelos cinco continentes. Já repararam que somos todos migrantes de merda a ter de voltar para “casa”?
Como estamos em época de futebol, o jogo de equipa que arrasta multidões e paixões, poderíamos usar a paixão do trabalho de equipa deste desporto como paralelismo. O que importa para ganhar é o que cada jogador individualmente faz para o bem da sua equipa, por forma a ganhar um jogo. Reforcemos então a equipa e trabalhemos para a selecção onde joga a espécie.
Assim se joga o jogo da democracia e só assim esta vencerá o totalitarismo.
Que é do que trata o campeonato histórico que jogamos.
Um dia a História escreveu-se assim:
-Era uma vez um campeonato de sangue, no final os vencedores dividiram o troféu, marcando os seus territórios a regra e esquadro. E as guerras, as divisões, invasões e ocupações continuaram por muitos e longos anos. Final da história que continua numa novela com muitos episódios.
São os personagens que ao jogarem o Monopólio deixaram aos que fogem apenas pequenas estações de comboio e a prisão como alternativa de vida. Para si ficaram com os bairros ricos.
A sociedade egocêntrica, narcisista, preconceituosa e intolerante que criamos e nutrimos é o ovo onde o réptil se abriga e desenvolve – podemos já discernir que de uma serpente se trata – enquanto tenta romper a casca. Por incrível que pareça não nos reconhecemos. No entanto somos nós.
Abrigamos na nossa natureza esta manifestação de tirania por oposição ao amor à liberdade. Assim nasce o ódio ao outro provocado pelo medo que nos conduz à obediência. Nos antípodas vive a cultura que nos mostra a capacidade de criarmos para encontrarmos formas de viver em conjunto decisiva para a capacidade humana construir o progresso como objectivo comum. O progresso que nos leva ao lugar onde submetemos os nossos instintos egoístas às necessidades do outro de também ser um ser livre.
A cultura foi o caldo propício para progredirmos como espécie. Ensina-nos a conviver, a pensar no bem comum, a buscar formas de realização e satisfação decisivas para a evolução.
Estamos actualmente a desenvolver o meio propício para que a serpente “salvadora” saia do ovo e cresça com o lado mais obscuro e perverso da natureza humana.
Não podemos esquecer que todos fomos, somos e seremos sempre migrantes. Fugimos de guerras e/ou procuramos melhores condições para nos desenvolvermos como seres humanos. Essa é a nossa história como colectivo. Uns povos mais que outros. Na raiz reside sempre a pobreza e as profundas desigualdades.
Só existe uma forma de não deixarmos que o réptil rasgue a fina casca e se imponha. É reforçando a democracia, que não carece de lideres fortes, desenvolve sim a capacidade de pensar de todos os cidadãos.
É assim que Trump, Órban, Salvini, e outros vão ganhando eleições.
Quando a fome aperta no estômago a cabeça fica ela também vazia, incapaz de discernir.
E gente ignorante junta é o maior perigo contra a evolução. E, pequenos focos de ignorantes são rastilho para um fogo maior se não fôr apagado a tempo.
Lenta e metodicamente estamos a ser envenenados. Como egoístas que somos apenas nos vemos de um só lado do espelho. Do outro lado estamos nós também. Nós migrantes que somos todos.
Anabela Ferreira
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