Uma Manobra Planeada: A Provocação Fascista no 25 de Abril

Os incidentes ocorridos na tarde de ontem, 25 de Abril, em particular no Largo de São Domingos, envolvendo elementos das organizações de extrema-direita “Ergue-te” e “1143”, muito mais do que (aliás, compreensíveis) reaccões emocionais ou até tiradas supostamente humorísticas (designadamente pelo facto de o encostar à parede e as bastonadas policiais, tão ardorosamente defendidas por tais elementos contra os moradores dos bairros sociais, já não lhes saberem tão bem…), devem merecer-nos, sobretudo, uma cuidada e rigorosa análise, incidindo, pelo menos, sobre os seguintes pontos:

1º Os ditos incidentes constituíram, desde logo, um pretexto para alimentar a – aliás, já conhecida de outras ocasiões – táctica de vitimização das ditas organizações e dos respectivos líderes (o ex-juiz Rui Fonseca e Castro e o neo-nazi Mário Machado). Procurou-se, assim, apresentá-los como mártires de pretensas perseguições e detenções injustas contra eles, ainda por cima no “Dia da Liberdade”.

2º Mas os incidentes serviram também – e de forma muito significativa – para que certos órgãos da Comunicação Social (como a CMTV e a própria TVI, canais onde, aliás, essa foi mesmo a notícia de abertura dos telejornais da noite) logo lhes dessem horas de tempo de antena, “esquecendo-se”, assim, de noticiar o essencial: a grandiosa manifestação popular que, contra os “cancelamentos” governamentais, e com muita, mas mesmo muita gente jovem, encheu toda a Avenida da Liberdade, gritando palavras de ordem contra o Fascismo e os fascistas, e pela Liberdade e pela Democracia.

3º É certo que, no quadro legal vigente (Dec.-Lei nº 406/74, de 29/8), a organização de uma manifestação não está sujeita a qualquer autorização, mas apenas à obrigação de um aviso prévio, a apresentar pelos respectivos promotores à Câmara Municipal competente, com a antecedência mínima de 2 dias úteis (art.º 2º, n.º 1). Porém, uma manifestação ou concentração que vise objectivos ilícitos, ou que não respeite os requisitos legais (como, por exemplo, interferir ou prejudicar o livre exercício do direito de reunião ou de manifestação de outros cidadãos) não poderá, nem deverá, ser autorizada pela autarquia. E os seus promotores e participantes, caso persistam em levá-la a cabo, incorrerão no crime de desobediência qualificada (art.º 7º e art.º 15º).

4º Ora, estando, e desde há muito – marcada a tradicional manifestação do 25 de Abril, que todos os anos, há décadas, desce do Marquês do Pombal até ao Rossio, a marcação, pelas referidas organizações defensoras do regime derrubado em 1974, de um suposto evento designado “Porco no espeto”, para o mesmo dia e à mesma hora, no Martim Moniz –local muito próximo do final da manifestação e reconhecidamente frequentemente por muçulmanos (para quem a carne de porco é impura) – não configura apenas uma, legalmente proibida, contra-manifestação. Representa também uma clara e grave provocação política e social, evidentemente mais do que apta a provocar conflitos – e conflitos graves.

5º Por tudo isto, não pode deixar de causar a maior estranheza a circunstância (que deve assim ser devidamente averiguada e esclarecida) de que, segundo foi noticiado, a PSP – sempre tão atenta, para outros efeitos, ao que se passa no Martim Moniz e arredores… – tenha inicialmente começado por não levantar qualquer óbice à realização da provocatória contra-manifestação do “Ergue-te” e do “1143”, e que só num segundo momento tenha, enfim, emitido um parecer negativo, levando assim a Câmara de Lisboa a proibir a sua realização.

6º Mais estranho e inacreditável ainda é que, tendo sido publica e arrogantemente anunciado por Fonseca e Castro e Mário Machado que iriam manter a dita contra-manifestação ilegal, a mesma PSP não tenha adoptado, preventivamente, medidas e dispositivos adequados a impedir a sua realização. 

7º E, bem pior do que isso, é mesmo inacreditável que a PSP tenha permitido que fascistas e neo-nazis percorressem centenas de metros desde o Martim Moniz até ao largo em frente à Igreja de São Domingos, a escassas dezenas de metros do Rossio, onde começavam então a chegar os primeiros participantes na manifestação do 25 de Abril. Alguém acredita que os responsáveis da PSP não previam que, actuando desta forma ineficiente, indolente ou até cúmplice face a indivíduos e organizações conhecidas precisamente pelas provocações e, pior ainda, pelos actos de violência brutal e “em manada”, o resultado seria a ocorrência dos incidentes que, justamente, lhes competia impedir?

8º As imagens entretanto conhecidas e publicadas permitem constatar que:

  • Os conflitos mais graves tiveram início – numa evidentíssima operação provocatória – com as violentas agressões praticadas à traição (pelas costas) por um corpulento indivíduo (de t-shirt com o símbolo da Nike, boné e óculos claros), que parece já ter sido já identificado como pertencendo ao “1143”, mas que se encontrava então infiltrado e disfarçado entre o grupo de pessoas que gritavam palavras de ordem anti-fascistas.
  • A violência e brutalidade das agressões praticadas pelos elementos fascistas e neo-nazis – em especial contra mulheres e crianças, inclusive depois de estas terem sido lançadas ao solo e alvo de pontapés na cabeça – mostra bem não apenas a cobardia e a sensação de arrogante impunidade, mas também a lógica e a preparação para-militares de semelhantes personagens.
  • Sendo Fonseca e Castro um dos principais promotores da contra-manifestação ilegal e proibida, tendo-se recusado a promover a dispersão da mesma e chegando mesmo a declarar à Polícia que só sairia dali algemado, encontrava-se, assim (e “nas barbas” da própria Polícia) em flagrante delito de prática do crime de desobediência qualificada. Não poderia, portanto, deixar de ser detido, como efectivamente foi. Exactamente ao contrário do que os trolls e as máquinas de desinformação fascista procuraram fazer crer, tal detenção nunca poderia ser pacífica: mal se iniciou, vários contra-manifestantes tentaram impedir violentamente a detenção, enquanto voavam garrafas e cadeiras lançadas contra os agentes policiais. O próprio Fonseca e Castro, assim que chegou perto da viatura policial, mudou de postura e passou a resistir e a gritar contra a detenção – tudo isto enquanto, por curiosa coincidência, os seus apoiantes filmavam a cena e gritavam repetidamente “vergonha!”.
  • A segunda vaga de confrontos foi, como também se vê claramente nas imagens, iniciada por Mário Machado, um delinquente condenado a 2 anos e 10 meses de prisão efectiva (pena agora finalmente transita em julgado, após todas as manobras dilatórias terem falhado).

Ora, face a tudo quanto antecede, não poderão restar muitas dúvidas de que aquilo que, na tarde da grande manifestação do 25 de Abril, se passou com a contra-manifestação ilegal do “Porco no espeto” constituiu não apenas a ostensiva e perfeitamente previsível prática de uma série de ilegalidades graves e acintosas, mas também (para não dizer sobretudo) uma operação de propaganda e contra-informação, meticulosamente preparada e executada. Uma operação cuidadosamente montada para fazer passar, como se fossem pobres vítimas da violência policial e do regime democrático, dois fanáticos inimigos da Liberdade e da Democracia — homens que elogiam Salazar (como se ouviu) e que ainda hoje pregam abertamente o regresso ao 24 de Abril. E tudo isto, como se não bastasse, no próprio Dia da Liberdade (!)… Uns verdadeiros “presos políticos”, em suma!

A situação é, assim, bem mais grave do que à primeira poderia parecer e, por isso, não só justifica o cabal e integral esclarecimento de todos os aspectos acima referidos, como exige toda a nossa atenção e vigilância democrática. Porque, não o esqueçamos nunca: os lobos podem perder os dentes, mas não perdem nunca os intentos!

António Garcia Pereira

Um comentário a “Uma Manobra Planeada: A Provocação Fascista no 25 de Abril”

  1. Maria Silva diz:

    Concordo com tudo menos com a insinuação de que o governo queria cancelar as manifestações. É falso. Nunca o fizeram.

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