As rosas de uma guerra injusta

“- Ó homem cala-te um bocadinho que a Joana está a a fazer-me perguntas é a mim!”

Dizia-Lhe a D. Rosa, batendo-Lhe no braço.

O Manuel veio da guerra com os estilhaços de uma mina no rosto e a visão que a alma havia retido, porque os olhos népia!

Entre os muitos Deficientes de Guerra com quem travei amizade, o Manel era o que tinha mais sorte. Não sou eu que o digo… foi ele que mo confidenciou!

“- Sabes Joana, apesar de ter umas pernas lindas, casei com um homem de trabalho. É que a minha rosa não é uma mulher como as outras… é um homem nos braços e na vontade!”

Ia cuidar da criação e levava-o com ela; tratava do plantio, e lá o carregava… 

“- Ele aborrece-se… mas sozinho em casa é que não o deixo! Ainda lhe dá uma solipampa e nunca mais me perdoo!”

A casa imaculada; nem pó, nem cheiros.

“- Quando não tenho tempo arranjo! Não quero que digam por aí que me desleixo porque tenho um marido que não vê como lhe trago a casinha!”

Foi fazendo! Porque não confia em empréstimos.

Agora tem a casa paga… e vazia.

Nem sabe bem se lhe roubaram sonhos.

Sabe que ama o Manel e que o homem dela não tinha que usar bengala; só tinha que ter o amparo do seu braço e tudo se manteria perfeito.

“- Ó Joaninha, eu sei que é estupido; mas eu também nunca estudei! Sabia que isto não foi doença… mas quando engravidei da minha primeira… nem queira saber o que eu chorei. Jurava-me o coração que me nascia cega! E eu também não contava nada disto aos médicos para não me dizerem que era doidinha!”

Visitas de assistentes sociais? Apoios estatais? Reconhecimento pelo seu serviço à pátria? O da Rosa!

Ao Manel já sabemos que o Sr. Presidente dará uma medalha com as honrarias de quem foi intimado a matar pretos; agora os quarenta anos de Cuidadora Informal da Dona Rosa, em bom português, não fez mais que a obrigação dela, não é isto verdade?

Ensinou-o a viver de novo, abdicou de si em prol da ordem da pátria, retirou-lhe os estilhaços do rosto durante anos até voltar a ter aquela pela lustrosa de homem belo, organizou-lhe o armário por cores para o presentear com a independência!

Agora grita!!!

Grita em histeria incontida; que matou o marido porque aqueles cinco minutos em que o Manel teve o AVC calhou de não estar a seu lado para o salvar.

Mas resta-lhe o Centro Militar de Coimbra para recorrer a consultas de acompanhamento psiquiátrico, não é?! Pois… não é! Só serve os operacionais! E a D. Rosa é inoperante!

Sr. Presidente, Srs. Governantes, estes são os ventres que sustentaram décadas da Vossa inépcia!

Se a vergonha não Vos bate à porta, que Vos pese a terra, na hora da partida, porque nem todos estamos desmemoriados.

Até já Manel!

Honra te seja feita, Rosa!

Rita Maia

Um comentário a “As rosas de uma guerra injusta”

  1. mcbastos diz:

    A vida desistiu do Manel, porque a vida não cuida, está apenas ali enquanto a atravessamos. A Rosa não esteve apenas ali, viveu para ele, reduziu-se a ele, via o mundo para ele. Agora que a vida o abandonou a Rosa vê o mundo, mas ninguém a vê a ela. Cuidar de um cego e ver o mundo para ele é ficar invisível para o mundo. Neste mundo, quem cuida não conta.

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