Querido Marco, obrigada por teres criado esta parede – na caverna onde vivemos – como distracção, forma de entretenimento, contacto de maior proximidade (discutível), de troca de informação e ideias entre os da espécie.
Foi inteligente perceberes a psicologia, este nível de ligações a que estamos sujeitos na nossa génese. Feitos seres sociais, interligados, interrelacionados (como é que nos podemos queixar de quase só haver parentes num governo? É lógico, tudo começou com o nosso pai e a nossa mãe a cometeram incesto – ou outro cídio qualquer – no paraíso).
A interacção é o nosso código universal. Uns dirão, o convívio é que importa!
Com a tua rede, menos intrincada que a de uma aranha, ficamos a saber quem vai caçar o quê e quem caçou o quê.
Ficamos também a saber quem gosta de gatos fofinhos e quais as músicas a que os faraós oferecem “thumbs up”, os cristãos preferidos dos leões (ou dos romanos, tanto faz).
Misturaste elementos de todos os tempos e eis-nos aqui. Foi uma ideia inteligente a criação do algoritmo – mais uma ideia plagiada, desta vez aos egípcios – para esta festa: a versão 2.0 das paredes das cavernas dos nossos antepassados.
Em troca pedes os meus dados, gostos, desgostos, vícios, defeitos e falhas secretas. Eu dou-te tudo enquanto faço uma “selfie” a fazer o bico de um pato.
Tu vendes os meus segredos às grandes corporações (como a Cambridge Analytica que influencia eleições através do estudo dos perfis enviando propaganda) e fazes um monte de dinheiro superior a mil bisontes em pilha.
O nosso voluntarismo vale imenso dinheiro para ti por isso tenho um favor a pedir-te – nunca mates esta galinha de ovos de platina.
Deixa-nos produzir e receber conteúdos que falem daqueles seres fundamentais que nos dão conteúdos das grandes empresas – por exemplo, governos – cujos segredos voluntariamente tentam esconder de nós. Refiro-me a Assange, que publicou a informação que recebeu do que de mal fez um governo na guerra do Iraque, ou outros males feitos por grupos de pessoas, empresas e outros governos. Estes mensageiros e publicações, que nós também ajudamos a divulgar são a nossa forma de ajudar a tribo a perceber qual o lado certo da História.
Imagino que também seria assim – censurado – no tempo dos nossos antepassados, se alguém se atrevesse a escrever na parede da caverna algum segredo que tivesse descoberto, mas que fosse do interesse da tribo – por exemplo, o lugar onde alguém tivesse escondido um bisonte com dentes de ouro, para que ninguém o fosse caçar.
Faz-me lembrar como mais tarde, noutras cavernas, já feitas de papiro ou em palco, os gregos contaram a história de Prometeu (aquele que pensa à frente), filho de Zeus.
Zeus não gostava nem de partilhar nem de perdoar. Prometeu roubou-lhe o Fogo e ofereceu-o à Humanidade, porque a queria dotar de capacidades que a tornassem livre, culta e poderosa. Ofereceu o símbolo da liberdade e do acesso ao conhecimento. Grandioso, não é?
Sabes o que fez Zeus? Mandou-o castigar, aprisionando-o a uma rocha e fez com que eternamente uma águia fosse comendo o seu fígado, até muito mais tarde, Prometeu ser salvo por Hércules.
Voltando a hoje, Prometeu é a metáfora para esses homens e mulheres que vão roubar o fogo – às empresas e governos – e o oferecem a nós, da sua tribo, sem nada pedir em troca.
Aqueles que merecem ser salvos por todos os Hércules que somos nós e os seus feitos devem poder ser partilhados no muro da caverna.
O meu pedido é que não roubes um muro de liberdade e partilha.
Temos (uns mais outro menos) consciência do estado de vigilância a que estamos submetidos nesta caverna.
Porém há uma chama lá fora a arder e aqueles que podem libertam-se. Outros precisam ficar a saber que há portas para abrir. E sair.
Como a História se repete precisaremos sempre daqueles que quando vêm buscar alguém, mesmo que não sejam esse alguém, estejam dispostos a defendê-los. Com a própria vida se for preciso. Como no caso de Assange, Manning, Snowden, Ellsberg e agora o luso Rui Pinto. Sejam jornalistas, editores ou mensageiros, precisamos de paredes na caverna.
Se acontecer sermos censurados de pintar as paredes, outros Prometeu, outros Hércules e outros filhos de Zeus, capazes de criar outras parede e outras rochas aparecerão, como vem sendo hábito na renovação da História dos deuses e da humanidade.
Parecem que temos aprendido pouco e que interiorizámos a incapacidade de ver à frente como indicou Prometeu.
Vivemos tempos corruptos, semelhantes a um passado recente onde o medo se juntou à desumanização, os temperos que ligados preparam o cozinhado certo para receber convidados predadores que nunca se atrasam para jantar. Na mesa estamos nós, prontos a ser comidos. Sem sequer podermos escolher o molho.
Anabela Ferreira
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