Não faltarão defensores a dizer que a praxe é uma tradição linda, que se fazem amigos para a vida, que as pessoas ficam mais desinibidas e “coiso e tal”…
Numa reportagem, ouvi duas miúdas da Lusófona, amigas de uma das vítimas, e que também andam metidas nestas coisas das praxes. Mais pareciam membros de uma seita. Dizia uma delas que as praxes preparam as pessoas para a vida, para o mercado de trabalho, que as ensinam a respeitar hierarquias. Questionada sobre o tipo de coisas que se fazem nestes retiros, deu um exemplo: “faziam-nos rastejar para ir buscar um copo de água. Era uma coisa simbólica, aquele copo representava o nosso curso e nós temos de fazer tudo pelo nosso curso”.
Uma miúda que acha perfeitamente normal rastejar por um copo de água porque alguém a manda, que acha que isso a prepara para a vida, é uma perfeita atrasada mental. Nestes “retiros”, era prática largar os caloiros no meio da serra da Arrábida, à noite, sem telemóveis. É como entrar no mar durante a noite e com a pior tempestade dos últimos tempos. Eu pensava que quem fazia isso eram os militares de elite, tipo os Comandos, Fuzileiros, Rangers. Estudantes universitários, no âmbito de praxes, é uma novidade.
Depois temos a questão do respeito pelo “dux”. Era costume eleger como “dux” o estudante que detivesse o maior número de matrículas naquela Universidade: ou seja, o mais calão; o mais inepto. É o expoente máximo das praxes e isso diz tudo sobre ele e sobre as praxes.
O mesmo “dux” que agora se remete ao silêncio, por causa de uma alegada “amnésia selectiva” (associada a traumatismos crânio-encefálicos, que ele não sofreu…), confirmada por um psicólogo e escorada por pactos de silêncio e ameaças, nem por isso veladas, a todos os que ameacem falar…
Acredito que o João Miguel Gouveia, o “dux” sobrevivente da tragédia do Meco, esteja a sofrer. Acredito que esteja traumatizado. Deve ter sido difícil, sair do mar, à noite, em choque térmico, com ondas de 6 metros… O próprio comandante do Centro de Busca e Salvamento Marítimo, considerou “estranho” ter-se salvo… E o que vale o sofrimento dele, comparada à dor incessante dos pais perderam os filhos? Ou do medo que sentem todos os pais que pouparam uma vida inteira para os filhos poderem estudar?
O problema não é a “praxe” em si mas quem abusa da sua utilização. Uma praxe dirigida por pessoas responsáveis e sensatas é um método extremamente eficaz de integrar e de criar grandes laços de amizade entre os alunos da Universidade . Nestes dias tem sido criada uma onda de “criminalização” da praxe que não faz qualquer sentido.