Escrevi, há dias, que «a “predisposição moral da raça humana”, conceito de que falava Kant ao referir-se à liberdade, é algo de absolutamente estranho a esta gente. E é isso que torna essa liberdade (deles) a genuína expressão do perigo.».
HÁ MENOS DE UM MÊS, o BES fez um aumento de capital. O fito e fim era reforçar os rácios do banco antes da realização dos testes de stresse, que serão feitos até ao final do ano (mantenham esta frase presente…). O BES conseguiu atrair os investidores e colocar 1.607.033.212 de acções ordinárias, escriturais e nominativas. Os títulos foram colocados junto de accionistas e novos investidores a um preço por acção de 0,65 euros.
Isto, apesar dos alertas da CMVM quanto à descoberta de eventuais “irregularidades materialmente relevantes” na Espirito Santo International, bem como a abertura de um inquérito a três holdings do grupo no Luxemburgo – a Espirito Santo Control, a ES International e a ESFG – por causa do não registo de 1,2 mil milhões de euros da ESI nas suas contas.
Não obstante, nas últimas semanas do mês de Julho, todos ouvimos o Governador do Banco de Portugal, Carlos da Silva Costa, a garantir que o BES estava seguro e que tinha capitais bem acima dos rácios legais pelo que tinha a sua solvabilidade garantida. Foi dito em comunicado oficial que o BES era uma realidade completamente diferente do GES.
O novo Presidente do BES, Vítor Bento, escreveu uma carta com divulgação pública garantindo que todos podiam estar seguros quanto à confiança que o BES merecia”.
Os argumentos eram esconsos, mas em terra de cegos, quem tem um olho é rei…
A 3 de agosto de 2014, o Governador do Banco de Portugal, dava a notícia: «Boa noite. Muito obrigado pela vossa presença. O Conselho de Administração do Banco de Portugal deliberou hoje aplicar ao Banco Espírito Santo, S.A. uma medida de resolução. A generalidade da actividade e do património do Banco Espírito Santo, S.A. é transferida para um banco novo, denominado de Novo Banco, devidamente capitalizado e expurgado de activos problemáticos.».
Depois, o Governador explicou a decisão: «No dia 30 de julho de 2014, o Banco Espírito Santo, divulgou os resultados relativos ao 1º semestre de 2014, apresentando um prejuízo de 3577 milhões de euros, sendo a quase totalidade deste prejuízo, 3488 milhões de euros, atribuída ao 2º trimestre de 2014.»; Neste contexto, nos últimos dias, assistiu-se a um rápido e significativo agravamento da situação do Banco Espírito Santo.». «O BES deixou de cumprir os rácios mínimos de capital em vigor, verificando um rácio de CET1 de 5 por cento, ou seja três pontos percentuais abaixo do mínimo regulamentar;» e, pior… «ii) No dia 1 de agosto, o Conselho do Banco Central Europeu determinou a suspensão do acesso do Banco Espírito Santo às operações de política monetária com efeitos a partir de 4 de agosto.».
Ou seja, o BES está tecnicamente falido e pior, perdeu a capacidade para se financiar, assim como perdeu todo e qualquer crédito no mercado bancário lhe permita recuperar o seu bom nome enquanto instituição bancária.
Assim, disse o Governador, «foi criado um banco novo, denominado de Novo Banco, para o qual são transferidos, de imediato e de forma definitiva, a generalidade dos activos e passivos do Banco Espírito Santo, SA., bem como os seus colaboradores e demais recursos materiais. Não são transferidos para o novo banco activos problemáticos ou a descontinuar, nomeadamente as responsabilidades de outras entidades do Grupo Espírito Santo que levaram às perdas recentemente divulgadas.».
Se o banco falisse, todos os depositantes perderiam o seu dinheiro. É o que decorre da legislação comunitária aprovada em 2014. Mas, assim, os pequenos aforradores estão livres do impacto da falência. Porém, os pequenos investidores, muitas vezes pessoas que converteram as suas poupanças em acções do Banco, perderam tudo. O Estado fica com a parte boa, recupera o banco para depois o vender e ganhar com isso dinheiro… Os accionistas, ficam com as suas acções do “banco velho”, sem quaisquer activos, sem trabalhadores, mas com muitos prejuízos, reais e potenciais. Ou seja, essas acções valem zero (e é porque não podem valer menos do que zero). Os credores directos ou indirectos do “banco velho” ficam igualmente “a arder”.
A ministra das finanças diz que isto não é imoral (a pergunta do jornalista da SIC foi directa), porque os investidores conheciam o risco. Quem compra acções sabe que pode ganhar, mas também pode perder. “É a lei do mercado”, diz a Ministra.
Pois é…
Mas não é lei de mercado que o Governador do Banco de Portugal e o novo presidente do Banco, nomeado politicamente, venha dizer que a situação é estável e, dias depois, a situação seja a que é.
Não é lei de mercado que uma entidade que encaixou €1.044.571.588 com a venda de novas acções, para se “capitalizar”, reforçar os rácios do banco, seja extinta (na prática) um mês depois, precisamente, porque «deixou de cumprir os rácios mínimos de capital em vigor».
Não é lei de mercado, porque o mercado não tem “lei”. Mas também não é minimamente aceitável…
Obviamente que a pergunta do jornalista da SIC é tão estúpida como a resposta: isto não tem nada a ver com moral. Não é sequer imoral. A palavra certa é “AMORAL”. A lei do mercado é uma lei amoral. É a lei da amoralidade. É a lei do mais forte. Não considera a moral: não é moral, nem imoral; não leva em consideração tais preceitos; é neutro com relação à moralidade vigente.
Ainda assim, e tendo em conta as palavras da senhora ministra das finanças, eu não acredito no sucesso de qualquer acção judicial contra o Estado Português, devido a esta medida que, materialmente, é uma autêntica nacionalização, equiparando os pequenos accionistas aos grandes que tomaram as decisões que ditaram a ruína do banco… Isto, mesmo tendo em conta que o Governador do Banco de Portugal e o Presidente do Banco deram informações aos pequenos accionistas (os grandes não precisam das informações para nada…) no sentido de ser estável a situação do banco, sabendo bem que a estabilidade a que se referiam era a estabilidade própria de uma “queda livre”… Podiam ter vendido as acções, mas não o fizeram, porque se fiaram no que lhes disse o responsável pelo órgão de fiscalização e supervisão bancária português. Foram enganados, pelo Estado e pelo Banco… e não há maneira mais “soft” de dizer isto.
Os accionistas têm assim como opção processar Ricardo Salgado (que com aquela reforma sempre há-de poder pagar qualquer coisa…), bem como o actual “chairman” do BES que lhes garantiu que isto nunca iria acontecer…. Ou, então, podem sempre ir queixar-se ao TOTTA.
[…] Continua… […]