Que Esquerda é esta?

Há um ponto da chamada agenda política e social que foi, desde logo pelos partidos e forças políticas que se dizem de esquerda, varrido para debaixo do tapete. Esse ponto é o da não revogação da espinha dorsal das chamadas “reformas laborais” da Tróica.

Com efeito, o que é que verdadeiramente mudou neste particular, mas muito significativo campo? No essencial, nada! Mas, como vimos recentemente a propósito do escândalo das irrisórias verbas da Cultura, as mesmas forças políticas (como o PCP e o BE) que sustentam o governo do Sr. Costa e lhe aprovaram o respectivo orçamento, vêm para a rua aparentar manifestar-se contra a política que eles próprios aprovaram e viabilizaram.

Ao agir desta forma (seja pelo silêncio cúmplice, seja por esta inaceitável duplicidade), aquilo que todas as forças políticas ditas de esquerda estão a fazer, ou quando dizem expressamente aceitar, ou quando dizem, “para eleitor ouvir”, o contrário, mas afinal fazem exactamente o mesmo, é a apunhalar pelas costas quem vive do seu trabalho e a perpetuar e a legitimar a sua servidão.

Na verdade, o núcleo essencial das chamadas reformas laborais da Tróica, ou seja, dos grandes interesses financeiros, consistiu desde logo em manter e agravar a destruição da contratação colectiva de trabalho (designadamente mantendo a possibilidade quer de ela conter tratamento menos favorável do que a lei – coisa que nem nas leis laborais do fascismo sucedia!? – quer da sua caducidade, com a consequente substituição pela lei geral do trabalho e sobretudo pelos contratos individuais, em que a vontade da parte mais forte se pode impor ainda mais facilmente).

E, depois, essa mesma política consistiu em facilitar e embaratecer os despedimentos ditos por justas causas objectivas, ou seja, os despedimentos colectivos, por extinção do posto de trabalho e por inadaptação. Funcionando assim estes – para mais pela forma como a Justiça do Trabalho se comporta face aos mesmos, não os fiscalizando verdadeiramente sob o pretexto de que aquilo que lhe compete fazer é simplesmente respeitar a sacrossanta liberdade da iniciativa económica privada e não se imiscuir na esfera de decisão da gestão empresarial privada – como um brutal meio de pressão e uma chantagem permanentes sobre os trabalhadores para que aceitem vínculos ainda mais precários, recebam salários ainda mais baixos, trabalhem ainda mais horas e tenham ainda menos direitos e piores condições de segurança e saúde no trabalho.

Ora, e o que dizem as forças políticas e os partidos ditos de esquerda precisamente sobre estas questões? Os extra-parlamentares, uma vez mais, calam-se muito bem caladinhos. O PS, com base na posição oportunista de que convém não irritar os patrões, já deixou absolutamente claro, designadamente pela boca do Ministro do Trabalho Vieira da Silva, que, quanto a tais pontos, não vai mexer uma vírgula nas soluções legais da Tróica. E o que fazem então os partidos que apoiam o Governo PS e se proclamam de esquerda, como o BE e o PCP? Dizem que estão contra, até apresentam propostas de alteração, mas no fim mantêm de pé o mesmo Governo PS que, também nesta matéria, tem exactamente a mesma posição de fundo do Governo PSD/CDS e dos grandes interesses financeiros que eles representam.

Os trabalhadores portugueses – de que apenas 23,7% tem um horário de trabalho normal (ou seja, sem “isenções”, “bancos de horas”, “adaptabilidades”, “turnos”, etc.) – trabalham 1865 horas por ano, ou seja, mais 365 horas que os trabalhadores luxemburgueses e mais 565 horas que os alemães! E a percentagem de trabalhadores com vínculos efectivos baixou, entre 2010 e 2014, de 74,8% para 69,7%, enquanto, dos novos contratos de trabalho celebrados em 2014 e 2015, 82% – exactamente, 82%! – foram contratos a prazo.

Enquanto as dívidas patronais à Segurança Social cresceram, entre 2015 e 2016, de 2.150 milhões para 12.579 milhões (ou seja, 485%), a parcela dessas dívidas consideradas incobráveis pelo próprio Governo subiu de 234 milhões para 7.545 milhões (isto é, 3.135%). Em contrapartida, e enquanto essas dívidas patronais se acumulam, a carga fiscal média que recai sobre o trabalhador português, apesar dos seus baixos salários, é de 41,5% (a 13ª mais alta dos 35 países da OCDE).

O mesmo Ministro das Finanças que recusa os aumentos dos salários, congelados desde 2010, dos trabalhadores da Administração Pública (e que assim já perderam 11,8% do poder de compra), já anunciou que dos bolsos dos contribuintes portugueses, a quem na última década foram sacados mais de 17 mil milhões de euros para tapar buracos dos bancos, durante os próximos 8 anos ainda vão sair mais 3,9 mil milhões de euros para o Novo Banco.

E o que se passa com a criminosa negociata da privatização, a preço de saldo, da TAP e com a sua transformação, de empresa “de bandeira” e estrategicamente muito importante, numa mera transportadora regional?Passa-se que ficou cada vez mais claro que se tratou da sua verdadeira entrega ao Sr. Neeleman, com o truque da utilização de um testa-de-ferro português, para assim simular que se trataria de uma operação de âmbito comunitário. E também que o Estado não manda rigorosamente nada na mesma TAP e que esta está é a servir a Azul do mesmo Sr. Neeleman.

E o que fazem o BE e o PCP? Uma vez mais declaram que estão contra, mas no fim mantêm o apoio ao Governo do Sr. Costa que também nestes dois pontos actua da mesma forma que o de Passos Coelho e Paulo Portas.

Entretanto, a nível mundial, em 2017, 80% de toda a riqueza produzida foi apropriada por 1% da população do Mundo e 50% desta recebeu… 0% dessa mesma riqueza. Em contrapartida, o crescimento da riqueza das multinacionais, entre 2010 e 2017, foi de 13% e só neste último ano ele ascendeu a 762 mil milhões de dólares, ou seja, 7 vezes mais do que o suficiente para acabar com as situações de pobreza extrema no Mundo!

Assim, sendo assim cada vez mais necessário criar e impor novas relações sociais que permitam colocar ao serviço de toda a Humanidade os enormes progressos científicos e tecnológicos alcançados na última década e que criem um Mundo justo, sem exploração nem opressão, não é seguramente com “esquerdas” destas que os trabalhadores conseguirão alcançar a sua emancipação…

António Garcia Pereira

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