– “pretos vão para a vossa terra”
É esta!
África!
guardadora de duas mil línguas faladas
mais de três mil grupos étnicos
por cobiça eras em 1885 retalhada
em cinquenta e quatro partes
de ti todos saímos
até ao dia em que um grupo de cidadãos seniores
de pele clareada,
numa conferência em Berlim,
perdida a bendita melanina,
te retalhou ao deles belo prazer,
com uma régua e um esquadro
verbatim,
para melhor te comer
mulher, ventre mãe de curvas arredondadas,
sinuosas, voluptuosas,
pé de chão generoso à mão de colher,
ventre de abundante semeadura,
seios perenes de rico colostro,
alimento da humanidade,
gema de diamante polido,
dividida à estria, num corte de cesariana medido,
sem comedimento,
por cobiça de sobas estrangeiros que nem te conhecem
a não ser as suas riquezas,
tratam-na como prostituta
usam-na e limpam as mãos sujas
participam no seu tráfico,
não se vende a mãe mas é vista como pano para ser esfregado
e no lixo atirado,
escravizada, foi vendida, usada, sujada, violada
como se fosse o prazer de um vício obsessivo
de irresponsabilidade ilimitada
deixa inebriada quem a olha,
alguns cegam com tanta beleza martirizada,
obsessivos, cegos e compulsivos num regresso
ao líquido amniótico no seu centro
os chamados nunca dela regressados,
os indelevelmente tatuados
sem ancestralidade duvidosa,
porque dela viemos,
poema absoluto de viver, poesia para nunca deixar morrer,
de filhos raptados, culturas esmagadas, histórias de sangue e amor,
de felicidade e dor,
de tormentas e partos esmagadores
que tu mãe abraças, honrando o sangue dos ancestrais
cobertos de capulanas multicores
rasgam-te e esventram-te, exploram-te sem medida
enriquecem as suas terras e com o esplendor das tuas riquezas
e por fim chamam-lhes civilizadas
atirando aos filhos vendidos
promessas de muitas riquezas no exterior, comprando-os
abandonam-te à des-sorte, ao desnorte
não te oferecem paz,
aos teus filhos dão miséria
para de ti em fuga saírem
em busca de horizonte, de utopia
os filhos cansados fogem da dor da guerra,
e quando ficam cansados da cor preta, cor de respeito
com medo do poder da melanina
num dia de raiva disparam balas a urrar
“pretos voltem para a vossa terra!
Relembrando a Conferência de Berlim que por estes dias teve lugar o acordo da divisão de África. Em 1884 (meros 140 anos). Portugal foi um dos participantes. O último a dar a independência àquelas que chamou “suas terras”, em África. O primeiro a iniciar o comércio de escravizados. A origem do capitalismo que perdura.
Relembro que as Independências aconteceram há meros 50 anos.
Se por acaso te disserem que África é incivilizada e estaria melhor com os antigos donos, relembra-te da História.
São os novos donos sob a mão dos velhos donos – que não largam a terra, pretos e brancos, os responsáveis, como escrevo no poema.–
Anabela Ferreira
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