O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, conhecido hoje, em relação ao requerimento da defesa de Sócrates para o que segredo de justiça interno seja levantado, permitindo que o arguido tenha acesso a toda a prova que sustenta as teses da acusação, podendo assim contesta-la em sede própria, é arrasador nas críticas que faz ao comportamento do Ministério Público em todo este processo.
Os juízes desembargadores, por unanimidade, dizem mesmo que a acusação não pode valer-se do segredo justiça para cercear as possibilidades de defesa dos arguidos, não entendendo que a solidez da prova acusatória se robustece tanto mais quanto a defesa tiver possibilidades amplas e leais de a contestar.
E, contrariamente a acórdãos anteriores em que foram citados provérbios populares para fundamentar uma decisão, os badalados mas risíveis “cabritos e cabras”, este sempre revela um nível maior de elevação citando um dos sermões do Padre António Vieira para justificar a sua postura jurídico-axiológica.
Ou seja, aquilo que já era mais que óbvio para todos os cidadãos amantes das liberdades e do Estado de Direito, para aqueles que independentemente das simpatias ou antipatias políticas ou de outro tipo pelo arguido, defendem um sistema de Justiça equânime e sem estados de alma, verteu-se agora em conclusão do próprio sistema de Justiça.
É certamente um dia de grande tristeza para o Correio da Manhã e afins. A partir de hoje não poderão mais especular com atoardas, fantasistas ou não, supostamente oriundas do processo. É que, a fazerem-no, correrão o risco de ser imediatamente desmentidos e mesmo processados por Sócrates e pelos seus advogados, por difamação e calúnia.
E mais: em breve poderemos avaliar as tais “provas sólidas” que supostamente incriminam Sócrates e levam a mante-lo em prisão preventiva, ainda que domiciliária. E ficaremos também a saber algo tão ou mais importante: a cronologia de obtenção das referidas provas bem como se o enquadramento jurídico-formal que permitiu a sua obtenção foi ou não legalmente aceitável e indiscutível. É que, não o sendo, no todo ou em parte, o processo pode ruir como um castelo de cartas, por nulidade da própria prova.
O mais estranho é ter que ser a própria Justiça a ter que vir reconhecer a existência de pechas no funcionamento normal do Estado de Direito, continuando esta questão a ser tratada com pinças pela classe política em geral, que vai assobiando ao som da marcha corriqueira, “à justiça o que é da justiça, à política o que é da política”. Andam todos muito ocupados a visitar feiras e mercados.
(*) Estátua de Sal é pseudónimo dum professor universitário devidamente reconhecido pelo Noticias Online
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