Os brasileiros têm a Adriana Calcanhotto que quer «comer Caetano»; nós cá temos uma horda de delinquentes engravatados que querem «contextualizar Salazar».
A desculpa para um Museu sobre a vida e patifaria da Velha (cognome de grande mérito e invenção de Mário-Henrique Leiria) é a de ser necessária a devida contextualização do momento, do tempo, do homem, das condições, do homem e das suas condições, dos peidos que dava, das salas nas quais se peidava. Que há que contextualizar. Que é imperioso contextualizar. Pelo meio destes pedidos de contextualização, vão dizendo, com ar quase beatífico, que «Nem tudo foi mau! Antes não havia tanta fome e tanta pobreza»; de mãos na Santinha que brilha à noite, vão deixando sair as garras para afirmarem que «sim senhor, pode ter cometido alguns erros, mas estes agora são piores!». Quando damos por ela, temos uma mão enfiada no cu com mais um argumento-pulso de peso: «Salazar podia ser muita coisa, mas era honesto!». Não interessa que, pelas suas acções e ordens, tenha matado milhares de pessoas ou que o país estivesse analfabeticamente ao nível máximo de indigência mental. Não, interessa é que não bebia, não fodia, comia pouco, não jogava e não roubava muito. Caramba, há que contextualizar.
Estes seres que ou são profundamente ignorantes ou são ignorantemente imbecis vão, de mansinho, contextualizando até já nada restar de contexto.
– até que todos os presos políticos não tenham sido presos;
– até que todos os torturados não tenham sido torturados;
– até que todas as mortes por cobardia, por tortura, por maldade, por mesquinhez, por indiferença, por medo tenham sido visões apocalípticas de drogados (como sabemos, as únicas visões aceites à mesa de uma boa Casa Portuguesa são as que encontram a Nossa Senhora em cima de uma árvore; todas as outras são consequência de ilegais psicotrópicos de gente pouco higiénica e com pensamentos perigosos que devia era ir trabalhar que era para aprender);
– até que as perseguições ao pensar e agir alheios sejam apelidados de actos lógicos contra as utopias;
– até que alguém se lembre de chamar Santo Salazar a Santa Comba Dão, recuperar o nome antigo da Ponte 25 de Abril ou instituir no país o Neo-Salazarismo como forma de «recuperar a independência nacional». Orgulhosa e contextualizantemente sós.
Contextualizem antes a decência. A vossa está tão fora de contexto que já não a vemos.
Ricardo Silveirinha
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