Não tenho dúvidas!
A maior parte das mulheres que diz ter sido vítima de violência sexual ou assédio, ou outra, foi. O difícil é provar.
Por consequência aquilo que todos sabemos resulta em silêncio. Este por sua vez significa um trauma para o resto da vida.
Não se apresenta uma queixa, porque ninguém vai acreditar na história. E ainda vai passar pela humilhação de se ver despida de novo, vulnerável de novo, estraçalhada de novo.
Sobretudo se o predador for alguém com muito poder, tenha ele a forma que tiver.
Na maior parte dos casos tem de se voltar a lidar diariamente com o culpado perpetrador. Este sabe que beneficia do privilégio da protecção vinda dos seus pares.
Então para quê falar, queixar-se? Se nem sequer tem uma única prova? É a palavra de um contra o outro. A conclusão é tão simples, uma lapalissada tão grande e tão antiga que até aborrece e se torna ridícula.
O melhor e possível é resignadamente avisar outras mulheres, em surdina “cuidado com aquele”. Em conclusão, o predador continua a caçar porque sabe que nunca será responsabilizado. É tudo tão fácil…
O movimento “metoo” não se circunscreveu a um momento no tempo e passou de moda. Tem de ser um contínuo desmascarar. A moda tem sido o constante assédio sexual. Ou violência sexual. Nenhuma terminou com o movimento. É que esta violência por estrutura e sistema tem a protecção de séculos vinda da religião, do Estado e das leis. Escritas e estabelecidas por homens, os tais da testosterona. São factos, como as rosas da Rainha Isabel.
Especulando sobre as razões do homem, fico-me a pensar por este não ter útero, desenvolve um ciúme incomensurável. Talvez lhe venha daqui a frustração de também não ter uma missão na vida. Então agora o que vou fazer com esta passagem por aqui, pensa ele ao atravessar o tempo que tem na sua vida. Precisa de se ocupar e distrair. Talvez a sua raiva e o seu ódio venha de alguma obscura obsessão, da inveja e do ciúme que o faz sentir diminuído junto da sua parceira de caminho.
Especulo e desvio-me. Cada um pensa como quiser, sobre as razões primárias.
A sede de poder, ao invadir e tomar conta do corpo da mulher pela força, como faz com territórios é a sua razão secundária. O corpo da mulher passa a ser só mais um chão. Chão que tem, para além do mais, o poder de lhe dar prazer. O mesmo prazer que sentiu quando pegou em ouro, em sal e em marfim e descobriu o poder de o possuir. Com o seu órgão erecto, a sua força e orgulho, sem pedir autorização ou licença, invade. Fim. Diz a canção. E diz a violência que não tem fim.
Como eu gostaria de conseguir explicar ao homem que usa assim o seu poder, o trauma sem fim que significa ser invadido sem licença! Porque razão cognitiva não consegue este entender?
Quando invade um corpo, o orgasmo que tem é puro prazer pela demonstração de poder. Poder esse que exerceu sobre a costela – que não saiu dele. Ele sim chegou para a vida por acordo de uma mulher, por aquele lugar que agora invade sem permissão nem concordância.
A ópera
Ela é a Eva, que morde a maçã da árvore do conhecimento. Dela quer retirar o que lhe pertence, o seu pedaço de vida por direito natural, que lhe foi retirado pelos homens e imposto como lei do pecado. Com o pecado Eva contém-se e submete-se.
Ela é a Carmen, de Bizet, que deve morrer. Ela não pode ser livre para escolher quem quer amar e por quem quer ser possuída. Carmen faz o que lhe apetece. Ama quem quer, sem se preocupar com o que os machos pensam dela. Ou sequer o que desejam.
Ele é Adão, o José, que ama e repudia Carmen. Porque Carmen representa todos os valores que lhe foram incumbidos de odiar numa mulher, durante a sua vida. Ela é o oposto do que ele deve acreditar.
Um dia chegou o dia, de imporem restrições à mulher livre. Matou-se a Carmen, fique só a Eva. A Eva controla os seus impulsos sexuais, os arroubos de paixão, os desvios das avassaladoras emoções, a liberdade de escolha. Estes floreados da natureza feminina passaram a ser eticamente reprováveis e ilegais.
José ficou-se com Adão e os seus desejos sexuais incontrolados, emoções indiscriminadas e descontroladas. Se o desejo aparece sobre qualquer Eva ou Carmen não há dúvida – resta tomar o corpo pela força, sem medir, nem pensar, nem controlar. Tem sido assim permitido pelas leis dos seus pares.
Contudo, se ela diz não, antes matar Carmen que a deixar seguir livre. Nem que só a mate por dentro. Quem vai acreditar em Carmen? Ela deve morrer. Morra Carmen. Morra Eva.
Sobre estas óperas dramáticas e traumatizantes na espuma dos dias, averiguem-se os factos de fio a pavio. Este crime, nunca deveria prescrever.
Só depois podemos fazer julgamentos, diz a lei e diz a razão. Não queremos outra Inquisição. Nem queremos sair por aí aos domingos, a fazer pic-nics nas praças públicas para assistir às guilhotinas.
Não queremos fogueiras para queimar homens invasores de corpos femininos, por descontrolo hormonal, trauma de infância, violência em criança, simples comportamento narcísico ou pior, predatório e sociopata.
Queremos apurar a verdade. Por favor, que esta venha a ser apurada. Aquela que sabemos ser tão difícil de apurar. É que é nessa balança instável que se movem os pratos, e há um lado que tem dominado o poder.
Que venham os pares que conhecem factos, denunciar. Que o José venha defender Carmen. E sem dúvida, se os acusados são culpados, que cumpra a justiça o dever de condenar.
Porque o castigo faz sossegar a alma e apazigua a natureza. Mesmo que nunca reponha o trauma.
Termino como comecei. Não tenho dúvidas. A maior parte das mulheres que diz ter sido vítima de violência sexual ou assédio, ou outra, foi. O difícil é provar. E quem comete estes crimes, sabe-o.
Anabela Ferreira
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