Em particular de há uns anos para cá, e sempre sob a pomposa capa da “desconcentração administrativa”, do “modelo das agências reguladoras” e da “isenção e independência” da gestão e supervisão, multiplicaram-se as chamadas “Autoridades Nacionais” (como as da Concorrência, da Protecção Civil e da Aviação Civil), “Entidades Reguladoras” (como as da Energia e da Comunicação Social) e os “Institutos” (como o da Mobilidade e Transportes).
Tratou-se (como somente poucas vozes alertaram na altura, mas que se foi tornando cada vez mais evidente) de um expediente para os sucessivos governos dos vários partidos do Poder se desresponsabilizarem, quer das funções e competências reguladoras, fiscalizadoras e sancionatórias do Estado, quer das responsabilidades decorrentes do não cumprimento das mesmas. Mas também de um modo, habilidoso e até com ares de “científico”, de distribuir tachos e mordomias pela rapaziada da mesma cor partidária, assumindo esses assim multiplicados cargos públicos (a maior parte das vezes milionariamente remunerados) o papel de prendas e bens privados a distribuir pelos amigos assim que se chega ao poder e pondo a nu a raiz da principal e mais grave das corrupções.
Mesmo com a chamada Lei-quadro das entidades administrativas independentes (Lei nº 67/2013, de 28/08), autoridades realmente independentes, despartidarizadas e desgovernamentalizadas, sujeitas a um controlo judicial efectivo e com membros contratados por via de concursos públicos rigorosos e transparentes, é algo que pura e simplesmente não existe.
E tudo aquilo que se vem passando com a ANPC – Autoridade Nacional de Protecção Civil e as suas gravíssimas responsabilidades na centena de mortes ocorridas com os fogos florestais, bem como da postura de desresponsabilização assumida pelo actual e pelos anteriores governos e pelos partidos que os apoiam ou apoiaram, aí está para o demonstrar, e de forma bem dramática. Obviamente, sempre sem que nada aconteça, designadamente a nível de verdadeira responsabilização política e até criminal, mesmo quando há mortes de vítimas inocentes…
E até por isso mesmo valerá a pena relembrar e registar para memória futura o modo como inúmeras das ditas entidades vêm actuando, e sempre impunemente, no campo das suas atribuições e competências:
ERSE – Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos – É a mesma que não só permite e até incentiva os absolutamente escandalosos preços do gás e da energia eléctrica que os consumidores portugueses têm de pagar (respectivamente, 46,3% e 11,2% superiores à média da União Europeia), como também se mostra absolutamente incapaz de pôr cobro a toda a sorte de práticas agressivas e ilegais de angariação e contratação.
ANACOM – Autoridade Nacional de Comunicações – Incapaz de controlar as operadoras de telecomunicações que, aliás, lideram o ranking de reclamações dos cidadãos consumidores e que, de forma escandalosamente impune e até acintosa, reincidem em cláusulas contratuais completamente abusivas (como as relativas a períodos de fidelização e a sanções pelo alegado incumprimento do contrato, só pelo lado do consumidor, é evidente) e em campanhas comerciais assediantes, agressivas e com utilização indevida e ilegal dos bancos de dados pessoais, que nunca se sabe nem se averigua, como ou onde foram obtidos.
AdC – Autoridade da Concorrência – Entre vários outros exemplos que se poderiam dar, não consegue descortinar, muito menos fiscalizar, proibir e sancionar a combinação e cartelização pelas gasolineiras dos preços dos combustíveis líquidos, mesmo quando todos nós vemos, designadamente nas áreas de serviço das auto-estradas, rigorosamente o mesmo (e exorbitante) preço de todas as companhias para todos e cada um dos tipos de combustíveis, permitindo assim que só a GALP tenha acumulado, nos primeiros 9 meses deste ano, 397 milhões de euros de lucro (4 vezes mais que no ano anterior).
ERC – Entidade Reguladora para a Comunicação – Não apenas deixa passar todos os dias violações das leis praticadas por órgãos de Comunicação Social em matérias como a dos conteúdos ofensivos ou proibidos por lei (só faltando, nalguns casos, assistirmos a violações ou homicídios em directo…) ou a da publicidade (designadamente encoberta ou dissimulada), da duração dos intervalos para a mesma e do volume de som desta, como é também a entidade que, como Pilatos, se esquivou a tomar posição quanto ao nebuloso negócio da compra da Media Capital pela Altice, abrindo assim a porta à sua viabilização.
ANAC – Autoridade Nacional da Aviação Civil – A Autoridade que aprovou a privatização da TAP e a transformação desta numa tábua de salvação das empresas falidas do Sr. David Neeleman, tolera todos os dias práticas violadoras, não apenas das leis em geral, como também dos direitos dos trabalhadores e passageiros e das mais elementares regras de segurança e de que são exemplos:
– a sistemática imposição da realização de serviços comerciais a tripulações com o número da chamada “tripulação mínima de segurança” (que é o número definido pelo fabricante como o mínimo absolutamente indispensável para conseguir assegurar todas as tarefas de segurança, como as de socorro a passageiros doentes ou feridos, de combate a incêndios a bordo ou de evacuação urgente do aparelho);
– o desrespeito (sistemático nalgumas operações de voo) pelos tempos de trabalho e de repouso dos tripulantes;
– o incumprimento dos tempos de descarga e entrega das bagagens, principalmente nos percursos em que não existe concorrência.
Em particular, nos voos de e para as Regiões Autónomas, e em especial nos casos da TAP e da SATA, é absolutamente inconcebível a completa impunidade dessas Companhias pelas contínuas violações dos direitos dos passageiros, em total desrespeito pelo Regulamento Comunitário EC/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho:
– cancelando voos, não por reais motivos imprevistos como, por exemplo, meteorológicos, mas sim por razões de incapacidade (por assumirem operações de voo para as quais não têm aviões e/ou tripulações suficientes), ou até por razões de conveniências próprias (por exemplo, para juntar num só os passageiros de vários voos), sempre disfarçadas sob a abstracta e incontrolável conversa das “razões operacionais” ou “razões de ordem técnica”.
– não informando logo os passageiros, ou até referindo não lhe serem aplicáveis, os direitos que o referido Regulamento lhes atribui como, por exemplo: a indemnização, a ser paga de imediato em caso de cancelamento do voo, de 250€ nos voos até 1500km, de 400€ entre 1500 e 3000km, e de 600€ nos restantes; a opção entre o reencaminhamento para o seu destino final ou o reembolso integral do preço pago pelo bilhete; e o asseguramento de refeições e bebidas, de alojamento e transporte de e para o aeroporto e de pelo menos 2 chamadas telefónicas.
– esquivando-se sistematicamente a esclarecer que critérios são por elas adoptados na definição das preferências de colocação de passageiros noutros voos.
IMT – Instituto da Mobilidade e Transportes – Escusa-se a pôr cobro às manobras e situações perigosas, quer para os trabalhadores, quer para os passageiros, sucessivamente impostas pela Administração do Metro de Lisboa como as já aqui denunciadas manobras de “entradas directas” pelo lado direito das estações terminais ou as de “circulação de serviço”, ou seja, de passagens, sem parar, por estações apinhadas de gente, tudo para assim tentar recuperar os atrasos tornados inevitáveis pela ausência de manutenção eficaz, ausência essa que já fez parar mais de 1/3 da frota. E o mesmo IMT prepara-se agora para viabilizar uma nova regulamentação para o sector ferroviário, extinguindo postos de trabalho nos comboios, quer de passageiros quer de mercadorias, extinções essas que os trabalhadores e as respectivas estruturas representativas, fundadamente, consideram que diminuem e põem em causa as condições de segurança do mesmo sector.
Deste modo, todas estas Autoridades, Entidades e Institutos são um óptimo negócio quer para as empresas reguladas (que, como se vê, fazem impunemente o que bem querem, violando mesmo acintosa e arrogantemente os normativos a que estão vinculadas), quer para os amigos com a mesma cor de cartão partidário (os quais, assim que ocorre uma mudança de Executivo, logo esfregam as mãos de contentes por se abrirem novas oportunidades de tachos, principescamente pagos). E são-no também para os governos que, exactamente para se eximirem às suas responsabilidades, logo sabem invocar por sistema que não são eles, Governos, mas sim uma “Autoridade” ou “Entidade” independente quem tutela e superintende aquele sector ou empresa, não tendo portanto o Executivo qualquer culpa no que de mal tenha ocorrido…
Mas a verdade é que tais entidades são afinal um péssimo negócio, e mesmo um verdadeiro desastre anunciado, quer para os trabalhadores dessas empresas quer para os cidadãos em geral que têm de recorrer aos seus serviços.
António Garcia Pereira
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