
Neste 1º de Maio de 2025, quero começar por apelar a que atentemos nestas corajosas e verdadeiramente impressionantes palavras, proferidas há 139 anos por quatro valorosos combatentes pelos direitos dos trabalhadores, quando, de cabeça erguida, enfrentavam quem se preparava para os condenar à morte:
Em que consiste o meu crime? Em ter-me esforçado por instaurar um sistema de sociedade no qual seja impossível a alguém acumular milhões, graças aos aperfeiçoamentos da maquinaria, enquanto as grandes massas são lançadas na degradação e na miséria. Assim como a água e o ar são livres para todos, também as invenções dos homens de ciência deveriam ser aplicadas em benefício de todos. As leis estatutárias que temos estão em oposição às leis da Natureza, pois roubam às grandes massas os seus direitos à “vida, liberdade e à busca da felicidade”. (George Engel)
Sete homens vão ser exterminados porque exigem o direito à liberdade de expressão – e o exercem. Sete homens, por este tribunal, vão ser condenados à morte porque reclamam o seu direito à legítima defesa. Pensais, senhores da acusação, que o caso estará encerrado quando levardes os meus ossos sem vida para a vala comum? Pensais que este julgamento se concluirá com o meu estrangulamento e o dos meus companheiros? Digo-vos que ainda há um veredicto maior por ouvir. O povo americano terá algo a dizer sobre esta tentativa de destruir os seus direitos, que considera sagrados. O povo americano terá algo a dizer sobre se a Constituição deste país pode ou não ser espezinhada ao sabor das ordens do monopólio, das corporações e dos seus lacaios assalariados. (Albert Parsons)
(…) se é por ser anarquista, por amar a liberdade, a fraternidade e a igualdade, que devo morrer, então não protestarei. Se a morte é o castigo pelo nosso amor à liberdade do género humano, declaro abertamente que perdi o direito à vida. (…) É-vos impossível matar um princípio, ainda que possais tirar a vida aos homens que confessam tais princípios. Quanto mais se perseguem os que acreditam em causas justas, mais depressa se tornarão realidade as suas ideias. (Adolph Fischer)
Se pensais que, ao enforcar-nos, conseguireis extinguir o movimento operário – esse movimento do qual os milhões oprimidos, os milhões que labutam na miséria e na necessidade, esperam a salvação – se essa é a vossa convicção, então enforcai-nos! Aqui pisareis uma centelha, mas ali e além, atrás de vós, diante de vós, por toda a parte, as chamas erguer-se-ão. É um fogo subterrâneo. Não o podeis apagar. (August Spies)
Estas são as poderosas e imortais palavras proferidas[1], perante o juiz e os jurados, seus algozes, por militantes anarco-sindicalistas e dirigentes da luta pela jornada de 8 horas de trabalho por dia, luta essa que, no 1º de Maio de 1886, levara à greve de praticamente todas as fábricas de Chicago. Na sequência de uma violentíssima repressão – com a intervenção de milícias patronais armadas, do Exército e até da famigerada agência Pinkerton, sob a igualmente famigerada lógica do “chumbo sobre os grevistas” – e de um incidente grave com a polícia na Praça de Haymarket, no qual morreu um polícia e foram mortos 35 operários e feridos outros 115, os considerados cabecilhas do movimento de luta foram então presos.
Num terrível julgamento-farsa – apenas seis anos mais tarde considerado um “erro judicial” e anulado – Engel, Parsons, Fischer e Spies foram condenados à morte e executados por enforcamento, a 11 de Novembro de 1887. Juntamente com outros quatro lutadores, igualmente presos e condenados – Fielden, Lingg, misteriosamente morto na prisão, e Schwab, todos a prisão perpétua, e Neebe, a 15 anos de prisão – ficaram justa e eternamente conhecidos como os 8 mártires de Chicago.
Entre nós, o 1º de Maio foi comemorado pela primeira vez em 1890, tendo já durante a I República, e em especial em 1919, sido palco de grandes movimentações, lutas e greves. Com a instauração do Fascismo, a comemoração passou a ser proibida e, por isso, convocada na clandestinidade e celebrada na ilegalidade – sempre reprimida com enorme brutalidade. Em 1931, a violenta repressão policial causou a morte de três pessoas e ferimentos em pelo menos 30, tanto em Lisboa como no Porto. Em 1962, essa mesma repressão provocou um morto (Estevão Grilo) e dezenas de feridos. Praticamente em todos os últimos anos da Ditadura registavam-se dezenas de feridos e prisões nas vésperas ou no próprio dia 1º de Maio, como sucedeu em 1972 e, sobretudo, em 1973, com centenas de pessoas a enfrentarem as forças da repressão no Rossio, em Lisboa. Tudo indicava que em 1974 se verificaria um combate ainda mais duro e uma repressão ainda mais violenta, e foi precisamente essa expectativa que levou os próprios estrategas do golpe militar de 25 de Abril a fixarem essa data.
Mas não esqueçamos também que, já após o derrube do regime fascista, mais exactamante na madrugada do 1º de Maio de 1982, no Porto, foram brutalmente assassinados a tiro, pela Polícia de Choque, Pedro Vieira, de 24 anos, e Mário Gonçalves, de apenas 17.
Curvo-me, pois, perante o heróico exemplo de todas estas pessoas, e aqui evoco a sua memória, que não pode, nem deve, jamais ser apagada. Comemorar o 1º de Maio não pode, portanto, deixar de ser, acima de tudo, celebrar o espírito de luta por uma sociedade mais justa, a capacidade de resistência e a organização e a férrea unidade de quem trabalha no permanente combate pela conquista e manutenção dos seus direitos, contra todas as dificuldades e ameaças.
Um combate muito duro, como o mostram os heróicos exemplos que acima citei, feito de muito sangue, suor e lágrimas, e que agora alguns esquecem… ou querem fazer esquecer. Mas um combate do lado certo da História, por um Mundo melhor, e contra os carrascos e tiranos de todas as espécies e latitudes. E que, por isso mesmo, e como corajosamente afirmaram os “8 Mártires de Chicago”, nenhuma opressão ou repressão, por mais brutais que sejam, poderão abafar ou vencer!
E é por todas estas razões que, ainda e sempre, ergo daqui a minha voz para proclamar, bem alto e sem hesitações: VIVA O 1ª DE MAIO!
António Garcia Pereira
[1] As traduções são da minha autoria. Os discursos podem ser consultados na íntegra em: https://www.marxists.org/subject/mayday/articles/speeches.html
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