As PPP na Saúde (1ª parte)

Mário Jorge Neves (Foto FNAM)

As Parcerias Público-Privadas (PPP) tiveram o seu início na Grã-Bretanha, com a designação inicial de PFI (Private Finance Initiativa), sob o governo de M. Thatcher em 1992.

Anos depois, e perante a crescente animosidade social e política que a sigla PFI suscitava em amplos setores da opinião pública dessa país, Tony Blair, primeiro ministro trabalhista, mudou a sigla para PPP, mantendo e até aprofundando esse modelo.

Este modelo teve uma tal expansão que foi aplicado a quase tudo, envolvendo hospitais, escolas e até esquadras de polícia e prisões.

No nosso país é frequente ouvirmos alguns intervenientes políticos defenderem este modelo, dizendo que o fazem porque não têm preconceitos ideológicos.

Esta afirmação é, em si própria, a maior demonstração de grande dependência e preconceito ideológicos, dado que vêm defender um modelo que, nos vários países onde tem sido implementado, tem constituído um enorme fracasso e um sorvedouro dos dinheiros públicos dos contribuintes.

No nosso país, apesar da existência do SNS, o sistema global de saúde sempre se caracterizou por um modelo misto, sem traços de estatização, desde logo visível nos múltiplos OE, onde o dinheiro destinado aos serviços públicos e o que se dirige para as transferências diretas para pagamentos a entidades privadas quase se equivalem.

As entidades privadas nunca tiveram entraves à sua constituição e funcionamento e esse não é o foco desta discussão.

Aquilo que está em causa é os dinheiros públicos, o dinheiro dos contribuintes ser utilizado para financiar negócios com grupos privados, muitos deles multinacionais

As PPP na saúde em Portugal, tiveram o seu enquadramento legal inicial com uma resolução do Conselho de Ministros ( nº 162/2001) quando era ministro da saúde António Correia de Campos e primeiro-ministro António Guterres.

Foram aplicadas, sobretudo como modelo de gestão, a 5 hospitais, mantendo-se neste momento somente no Hospital de Cascais.

Ao longo dos anos de funcionamento deste modelo nunca foram realizados quaisquer avaliações independentes ao seu desempenho.

Aquilo que, pontualmente, foi sendo divulgado tratou-se de meras defesas panfletárias do modelo ditadas por interesses políticos e económicos e por dependências ideológicas.

As PPP, para além da Grã-Bretanha, tiveram grande desenvolvimento noutros países, merecendo particular destaque Canadá, Espanha e Austrália.

O lançamento do modelo das PFI pelo governo conservador britânico de M. Thatcher, visou estabelecer um mecanismo para obter financiamento privado que pudesse satisfazer as necessidades políticas para aumentar o investimento nas infraestruturas sem afetar o orçamento público, garantindo amplos contratos para os consórcios privados e novas oportunidades de investimentos para o capital financeiro.

Sob este modelo, as companhias privadas projetam, constroem, financiam e gerem os novos hospitais na base de contratos de 30 ou mais anos, em que o Estado fica obrigado ao pagamento anual de uma quantia estabelecida a essas companhias.

Estes pagamentos são classificados como rendas, não como capital, e desta maneira não são contabilizados no orçamento público.

O sector público assume o papel de cliente e assegura um fluxo de pagamentos regulares aos prestadores privados de bens e serviços.

Os consórcios privados que se constituíram para as PFI englobavam empresas de construção civil, bancos, imobiliárias, firmas de arquitetos e advogados, empresas de leasing, de consultoria e de serviços de manutenção.

Entre 1995 e 1997, verificou-se uma primeira grande “crise” no desenvolvimento das PFI devido a uma ação concertada dos consórcios privados para imporem contratos mais adequados aos seus interesses, face às exigências de garantias financeiras por parte do Estado.

Em torno da promoção deste modelo foram apresentados múltiplos argumentos que pretendiam demonstrar a sua maior capacidade de resolução dos problemas existentes a nível dos serviços públicos, nomeadamente:

  • A privatização tem efeitos benéficos, com a melhoria da produtividade e a economia melhor habilitada para responder à mudança.
  • As melhores privatizações, quando combinadas com mercados competitivos, conduzem à criação de companhias de nível mundial, reduzem os custos e os preços, e melhoram os serviços ao consumidor.
  • O sector privado é mais inovador na construção, manutenção e funcionamento.
  • O sector privado fornece melhor e mais valor para o dinheiro. Cria grandes eficiências e sinergias, resultando em melhores serviços e poupanças.
  • O sector privado investe na qualidade do património.
  • A disciplina do papel do mercado assegura que o sector privado gere melhor os riscos.
  • As PFI são uma parte essencial da modernização dos serviços públicos.

A própria Comissão Especial de Inquérito da Saúde da Câmara dos Comuns, num relatório publicado em Maio de 2002, considerou que muitos dos benefícios afirmados pelas PFI não estão provados, que as transações têm de ser mais transparentes, e que o National Audit Office, entidade pública de fiscalização, deve investigar se os índices do “comparador do sector público”, usados para calcular se um esquema PFI traduz “valor para o dinheiro”, foram manipulados em favor da iniciativa privada.

 Um grupo de economistas da Universidade de Londres, dos quais a mais conhecida é a Prof.ª Allyson Pollock, elaborou um documento de resposta, em Novembro de 2001, a um relatório do “Institute for Public Policy Research”, destacando-se as seguintes questões:

  • A metodologia para calcular o valor do risco transferido é muito subjectiva.
  • Na prática, o pessoal trabalha acrescidamente para cumprir os objectivos de produtividade e a qualidade dos serviços irá deteriorar-se com cortes nos serviços mais dispendiosos.
  • Os custos com salários diminuíram de 72% em 1977 para 38% em 1999.
  • Os pagamentos anuais estimados somente para os negócios PFI já assinados variam de 2,9 biliões em 2000/2001 para 4,5 biliões de libras em 2004/2008.
  • O sector privado tem obrigações para os investidores que são prioritárias sobre as obrigações sociais para os utentes, e o sector público está motivado para a responsabilidade social.
  • A evidência demonstra que os operadores lucrativos dos hospitais prestam cuidados de qualidade inferior, têm custos administrativos mais altos, prestam tratamentos mais caros e inapropriados e são técnica e prestativamente menos eficientes.
  • Em 2000, uma comissão do Parlamento australiano recomendou que “nenhuma nova privatização de hospitais públicos pode ocorrer até que uma profunda investigação nacional seja conduzida e que alguns benefícios para os doentes possam ser demonstrados por este modelo de prestação de serviços”.
  • Quando os contratos falham não há qualquer informação no domínio público, nem multas deduzidas nos pagamentos públicos ou rescisão dos contratos.
  • A evidência mostra que a utilização das PFI em hospitais aumentou a inflexibilidade e a rigidez, diminuiu a diversidade, diminuiu o acesso e falhou no cumprimento das necessidades públicas de cuidados de saúde.
  • As PFI têm conduzido a uma redução dos serviços públicos.
  • Os aumentos dos custos são pagos pela redução de serviços.
  • O custo do capital, como percentagem da receita, nas seguintes unidades de saúde, antes e depois das PFI:

Norfolk e Norwich – 0,7% (antes da PFI) – 18,9% (depois da PFI)

South Tees Acute Hospitals – 3,9% (antes da PFI) – 10,0% (depois da PFI)

Dartford e Gravesham – 7,5% (antes da PFI) – 27,2% (depois da PFI)

Greenwhich Healthcare – 3,7% (antes da PFI) – 13,3% (depois da PFI)

Swindon e Marlborough – 3,3% (antes da PFI) – 14,3% (depois da PFI)

Bromley Hospitals – 7,0% (antes da PFI) – 10,7% (depois da PFI)

Calderdale Healthcare – 3,0% (antes da PFI) – 11,3% (depois da PFI)

North Durham Healthcare – 2,9% (antes da PFI) – 9,9% (depois da PFI)

  • Os novos hospitais PFI implicam redução do número de camas de casos agudos e encerramento de outros hospitais e serviços.

Os primeiros 14 hospitais PFI implicaram a redução de 33% das camas existentes.

Desde 1997, o NHS eliminou 12.000 camas, a maior parte delas para pagar as PFI.

  • O “Royal Edinburg Infirmary”, no esquema PFI, implicou a venda de terrenos e outros bens, a redução de 33% no número de camas e 13 milhões de libras de diminuição dos custos em pessoal clínico (médicos e enfermeiros).

Quando o hospital abrir terá cerca de 25% menos no número de trabalhadores, grande parte deles sem formação e não especializado.

A nível dos médicos a redução é de 8,2% e nos enfermeiros de 14%.

  • No “Worcester Royal Infirmary” foram eliminadas 219 camas, de modo a libertar 7,2 milhões de libras de receitas para pagar o novo hospital. Tem 1/3 do número de camas de casos agudos da média nacional.

Terá menos 32% do pessoal auxiliar e 17% menos no número de enfermeiros, devido aos custos adicionais da PFI.

  • O governo britânico antecipa que as empresas privadas de cuidados de saúde irão controlar cerca de 75% do Orçamento do NHS em 2004.

Mário Jorge Neves, médico

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *