Decidi escrever esta carta aberta em nome da verdade e do jornalismo e em nome da dignidade que deve estar presente em todas as capas de jornais deste país, bem como a carteira profissional e o código deontológico de todos os jornalistas. Poderia e deveria começar por enumerar a quantidade de manchetes, capas e peças que o vosso jornal tem feito nos últimos anos que violam todos os pontos acima, mas essa análise cairia no desnecessário, ridículo e inútil visto serem tantas e de forma tão repetida e continuada.
Deparamo-nos neste momento, em Portugal, com o acto mais irónico e deprimente de auto-defesa de um órgão de comunicação social que, desde que a minha curta memória me permite recuar no tempo, há memória. O que o Correio da Manhã faz não é jornalismo. Jornalismo não é a devassa constante da vida privada das pessoas, jornalismo não é criar programas televisivos e espaços de opinião com base em analisar, avaliar e esmiuçar premissas jurídicas vazias de conteúdo e de provas. E sim, o Correio da Manhã, como qualquer outro órgão de comunicação social tem o dever de fazer cumprir um dos direitos mais importantes que abrange qualquer cidadão em Portugal, o direito à informação, ou seja, a ser informado. O problema é que o direito a informar deve ter em conta o que é digno de ser informado, como tudo, tem limites.
O problema do Correio da Manhã é que os direitos servem muitas vezes e em certa medida para delimitar outros direitos que, se não dependessem uns dos outros, se anulariam na sua totalidade jurídica. E como todos os outros o direito à informação tem limites. Limites que os senhores ultrapassam todos os dias. Limites que os senhores não conhecem, pelo menos quero acreditar que é por desconhecimento. Caso não o seja, mais grave se torna.
Eu, enquanto cidadão que dou a minha opinião sobre diversos assuntos, seja pessoalmente ou publicamente, em forma de crónica de opinião, tenho vergonha de dizer que folheio o vosso jornal. Pessoalmente, é um acto de coragem diária em que, a meu ver, se torna difícil violar intelectualmente, alguns dos valores que considero serem parte da minha personalidade. Um jornal que declare publicamente que está em guerra com um cidadão, para mim deixa de ser um jornal, para mim um jornal que se afirme generalista, informativo e livre não deve nunca servir interesses pessoais, do próprio jornal ou privados (caso que não posso dizer que os senhores cumpram, visto não ter provas… sem provas…).
Os senhores caem no ridículo quando afirmam que vos são retirados direitos, como o de informar. Esquecem-se é que o mesmo jornal que representam, constantemente se imiscui na justiça. Consideram que juízes, nas suas decisões, fazem favores e favorecem propositadamente quem vocês atacam, quando não defendem o mesmo ponto de vista que o Correio da Manhã, caso do Juiz Rui Rangel. E transformam em super heróis juízes que decretam e decidem aquilo com o que os senhores se identificam e acham bem, como o Juiz Carlos Alexandre. Criticam, sem qualquer tipo de censura, magistrados criando pressão mediática sobre os mesmos, quando as decisões vão contra as vossas pretensões mas diabolizam aqueles que vos fazem cumprir a lei.
Acerca do vosso ódio de estimação com o cidadão José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa, a quem gostaram de chamar “preso 44” e outras demais denominações jocosas e depreciativas. O que acho é tão simples quanto isto, os vossos códigos deontológicos ficam manchados pelas injúrias e suspeitas infundadas que partilham e publicitam. Como é possível violar-se constantemente os segredos de justiça, e um jornalista, ou vários, diariamente aplaudirem essas fugas de informação, espelhando-as nos órgãos de comunicação social? Como é possível não ter vergonha de colaborar para a podridão da justiça? Espero que os senhores nunca sejam vítimas dessas infâmias via comunicação social, no que à vossa vida privada diz respeito em sede judicial.
Quanto à revolta que tem ecoado, de forma grotesca, sobre o impedimento que o Tribunal da Comarca de Lisboa decretou acerca das notícias de carácter difamatório, que os senhores têm permitido, não se esqueçam que têm defendido que um cidadão seja condenado, julgado, acusado e, indirectamente, difamado com base nos mesmos códigos e constituição pelos quais vos foi atribuída essa ordem. Ordem essa, decretada por uma Juíza tão competente como aquele que vocês apelidam de Super Juíz.
Coerência jornalística é quase tão importante como dignidade e verdade jornalística.
O que tenho aprendido nos últimos dias é que os senhores querem duas justiças, uma para vós e outra para quem vos ataca, defendendo-se legitimamente de vocês. Ora isto é tão absurdo como evidente. E já agora, Je Suis Correio da Manhã? Meu deus. Eu nunca concordei com a linha editorial do Charlie Hebdo portanto, essa tentativa falhada de marketing nem me incomoda na comparação, pois acho que não é elogiosa mas sim injuriosa, mas, Je Suis Correio da Manhã? A sério?!
O Correio da Manhã faz ainda outra coisa espantosa, que não é mais nem menos do que tentar atirar o barro à parede, quando diz que muitos dos factos que constituíram o inicio da investigação do processo Marquês, tinham como base as investigações e notícias do Correio da Manhã, como as fotos de Paris e o abuso dos direitos de personalidade de um cidadão português. Bom, eu gostava que tivessem razão, pois isso só traria garantias quanto à inocuidade de todo este processo, tal como as razões que ramificam o seu fundamento e objetivo.
Resumindo e concluindo, façam jornalismo. E não digam que vos estão a tentar silenciar com uma ‘mordaça’. É só ridículo, visto que o que sai do despacho é algo tão simples quanto a proibição de publicar “despachos e promoções do Ministério Público, documentos, despachos, decisões das autoridades judiciárias competentes e transcrições ou o teor de conversas alvo de intercepções telefónicas”, ou seja, cingirem-se a fazerem jornalismo e a cumprirem a lei.
João Campos,
Licenciado em Ciência Política
Estudante – Licenciatura de Direito
Publicado em https://assembleiaxxi.wordpress.com
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