A TAP e o Governo ensaiaram, nas últimas semanas, algumas decisões e manejos, sobre os quais importa reflectir, porquanto representam manobras de diversão ou tentativas de desresponsabilização, particularmente importantes numa altura em que se prevê que possam tentar tomar medidas, não só mais violentas ainda, como igualmente susceptíveis de causar particular repúdio, (como é o caso do tão ameaçado despedimento colectivo, mas sob a denominação eufemística de… “medidas unilaterais”).
Mudanças de caras
Houve (e vai haver ainda mais), mudanças de caras, mas para tudo manter no essencial na mesma: saem Miguel Frasquilho e alguns outros membros da Administração da empresa; a nova CEO, Christine Oumières-Widener, apresentada como grande “especialista em reestruturações, teve a grande proeza curricular de ter sido nomeada, em 2017, CEO da FLYBE, cujas acções, em 2018, desceram “apenas” 75%, e depois ter mesmo ido à falência técnica; para a mesma administração estão previstos entrar ainda Sílvia Mosquero, amiga e colega de Ramiro Sequeira na Vueling e ex-Administradora da Avianca, e, em claríssimo conflito de interesses, Patrício Ramos, sócio do escritório de Madrid da BCG, a consultora obreira da “reestruturação” em curso na TAP e responsável pelo famigerado algoritmo, mas que também presta consultadoria a outras companhias de aviação, concorrentes da TAP; o DRH do grupo TAP, e ex-DRH da Groundforce (não o esqueçamos, que os trabalhadores também não esquecem), Pedro Ramos, (apenas) suspenso após a lastimável proeza do vídeo de Madrid, é substituído por um dos seus “braços direitos”, Sara Rodrigues, co-reponsável por muitas das lastimáveis actuações da DRH da TAP e que já viera, com “proezas” idênticas, da Novabase, da Reditus e da Noesis; sai também o CEO interino, Ramiro Sequeira, o mesmo que até aqui nunca teve tempo para responder aos mails que, em desespero de causa, os trabalhadores da Companhia lhe foram enviando, mas que agora até encontrou tempo para lhes enviar uma lastimável “mensagem de despedida”, bem reveladora da “filosofia de gestão” ali reinante, apelidando de “excedentários” (e, logo, “merecendo” ir para a rua) os trabalhadores mais velhos e mais antigos.
A (propositada) falta de transparência
Já agora, e desde logo por questões da transparência a que qualquer empresa, mas em especial uma empresa do sector empresarial público como a TAP, está estritamente obrigada, impunha-se que se soubesse, por exemplo, a quanto ascenderam, em 2020, os salários anuais dos tão “cinematográficos” Directores, Ramos e Falcato, ou de Abílio Martins, bem como quais os valores de “compensação pela cessação” pagos sem pestanejar pela Empresa, já em 2021, a Abílio, a Falcato e outros que tais, e ainda quais os custos anuais, e a que título, de áreas como o Marketing ou a Formação, por exemplo.
E também, para não dizer sobretudo, porque é que, sempre que se fala de redução de custos, estes gestores ditos de “excelência” (os mesmos que sempre falam em “colaboradores” em vez de trabalhadores, e que tanto gostam de apelar ao “espírito de equipe e à “resiliência” destes) nada querem dizer ou saber desses valores e, por mais mestrados e pós-graduações que o respectivo currículo possa ostentar, só conhecem e só sabem defender (e aplicar) cortes de salários e despedimentos…
Manobras do Governo
Por outro lado, e só agora, quando alegadamente prepara despedimentos assumidos como tais na TAP, é que o Governo se lembrou de que, nas empresas do sector empresarial do Estado, os trabalhadores têm o direito legal e constitucional de elegerem um representante para os órgãos sociais (direito esse que, porém, o mesmíssimo Governo tem estado a negar peremptoriamente noutras empresas do mesmo sector, a começar pela RTP).
Ora, a circunstância de o Governo ter falhado espectacularmente na sua tentativa de fazer eleger para aqueles órgãos o seu candidato preferido (aliás, não trabalhador da Empresa!?), e de os trabalhadores terem escolhido, ademais com larguíssima maioria, um dos seus pares, não apaga o óbvio objectivo político de assim procurar habilidosamente co-responsabilizar os trabalhadores pelas piores medidas que contra eles venham ainda a ser tomadas, com “argumentos” como o de que a nova administração, que inclusive conta com um representante dos trabalhadores, é que decidiu, etc., etc.
Os trabalhadores não devem desistir nunca de que lhes seja dada resposta adequada às questões que oportunamente suscitaram, designadamente acerca dos pretensos “critérios” da sua inclusão na(s) lista(s) de pessoas a terem de ir para a rua, e não devem aceitar a última versão adoptada nesta matéria pelos RH da TAP, os quais, sem argumentos para contraporem aos trabalhadores e para rebaterem o que estes invocam e/ou demonstram, tratam de responder simplesmente que a tomada de posição do trabalhador “não foi considerada”, tentando assim encerrar a conversa. Isto é uma autêntica e mais que reprovável “não resposta”, própria de quem sabe que não tem razão e que não possui quaisquer motivos válidos para sustentar as posições e medidas que quer impor! Por isso, os trabalhadores não se devem coibir de insistir pelos esclarecimentos necessários e mesmo indispensáveis para que decisões verdadeiramente livres, bem informadas e conscientes possam ser tomadas, e aos quais têm legítimo direito[1], tendo também presente que, quanto menos agora a Empresa responder, mais difícil lhe será depois justificar o pretenso critério da escolha efectuada. |
Manobras da TAP
Como o Governo se terá comprometido perante a União Europeia (em troca de a Comissão Europeia não se opor à entrada de dinheiros públicos na TAP) a mandar para a rua um certo número de trabalhadores (provavelmente 2.000), e não obstante quer as denúncias dos contratos de trabalho de centenas de contratados a prazo (que há muito deviam estar efectivados), quer as pressões para a aceitação das provocatoriamente designadas “medidas voluntárias” (sobretudo as RMA – “Rescisões por Mútuo Acordo”), o certo é que, não tendo conseguido, mesmo pela chantagem e pelo terror, atingir o número pretendido, os responsáveis da TAP entraram em desespero.
Passaram então à descarada “pesca de arrasto”, tentando chantagear – nomeadamente pela dispensa forçada de funções, que os trabalhadores também não devem aceitar nunca por tal “emprateleiranço” representar a violação grosseira do direito à ocupação efectiva[2], e pela prática ostensiva do mais que ilegal assédio moral[3] – também trabalhadores de outras áreas que não as dos tripulantes, muito em particular os de cabine, chegando a querer mandar para a rua pessoas de sectores onde elas são, indiscutivelmente, mais que necessárias (da Manutenção às áreas da Qualidade e da Informática, por exemplo) e onde já “não chegam para as encomendas”, estando, por isso, trabalho da TAP já a ser atribuído a empresas exteriores.
Tudo isto ao mesmo tempo em que se mantêm – e até nalguns casos se reforçam – as contratações de trabalhadores temporários, por via de empresas ditas “prestadoras de serviços”!
Despedimento colectivo
Ora, quanto aos outros trabalhadores, que não os tripulantes, a TAP terá uma grande dificuldade em fundamentar, de forma minimamente adequada do ponto de vista da lei, a sua inclusão num despedimento colectivo, sendo que a jurisprudência mais recente dos tribunais superiores[4] é a da não aceitação de despedimentos com natureza discriminatória e/ou retaliatória[5], e também a de uma particular exigência quanto à demonstração do nexo de causalidade que tem necessariamente de se demonstrar existir entre os motivos gerais invocados e a necessidade de extinção daquele posto de trabalho em concreto.
As categorias mais expostas ao risco de um despedimento colectivo serão, porventura, os pilotos (embora a empresa não tenha vindo a conseguir fazer a real demonstração do seu pretenso excesso porque têm, indiscutivelmente, mais força negocial frente à Administração e ao Governo, mas sobretudo porque têm um Sindicato – SPAC – mais firme na luta contra os desmandos patronais e que, aliás, já declarou publicamente guerra aos despedimentos), mas, antes de mais, os tripulantes de cabine, porque a demonstração do pretenso excesso é mais fácil de fabricar, porque têm menos força negocial e sobretudo porque têm um sindicato – SNPVAC – cuja actual direcção se tem, ao longo de todo este processo, mostrado demasiado compreensiva e cooperante com a Administração da TAP).
Comissão de Trabalhadores
Acontece ainda que, tendo a TAP uma Comissão de Trabalhadores, o procedimento formal dum despedimento colectivo se inicia[6] com a comunicação da intenção do despedimento e dos respectivos motivos e a remessa dos documentos essenciais (número de trabalhadores abrangidos, critérios da escolha, mapas de pessoal, método de cálculo dos valores que a empresa pensa pagar, etc.) APENAS para a Comissão. Repito: havendo Comissão de Trabalhadores, estes elementos NÃO SÃO remetidos individualmente aos trabalhadores abrangidos!
Importa que os trabalhadores não sejam atingidos de surpresa e antes exijam desde já da referida Comissão de Trabalhadores serem total e atempadamente informados de tudo o que, neste campo em particular, se está a passar, até porque, ao contrário do que alguns se possam lembrar de invocar, não há aqui matéria alguma sujeita a sigilo!! É igualmente importante que os trabalhadores visados com as emboscadas chantagistas do RH e de algumas chefias da TAP exijam da Comissão de Trabalhadores a disponibilização imediata de toda a informação de que ela já disponha neste momento e de toda a que lhe chegar entretanto, e os que são sindicalizados no SNPVAC devem também exigir deste a imediata disponibilização da listagem de trabalhadores a despedir e de quaisquer outros elementos/informações de que ele já disponha. |
Esclarecimentos
Sobre o próprio despedimento colectivo importa esclarecer (porque muitos daqueles a quem tal competia, não o fazem) os seguintes pontos:
– No procedimento formal, a Comissão de Trabalhadores tem um papel muito importante a desempenhar, nomeadamente exigindo da TAP, na inicial “fase de informações e negociação”[7], toda a informação relevante (como critérios, cálculo de custos e de poupanças com esta e outras medidas, soluções alternativas a serem debatidas colectivamente, e não em reuniões individuais sem qualquer negociação, etc.), bem como reclamando a tempo a intervenção da DGERT do Ministério do Trabalho para a apresentação, apreciação e discussão das referidas medidas realmente alternativas; – (Só) após todo esse procedimento, e (só) se não se encontrarem alternativas, a decisão de despedimento tem de ser comunicada pela TAP a cada trabalhador individualmente, com um período de pré-aviso[8], durante o qual, como é óbvio, TODAS as retribuições têm de continuar a ser pagas; – A totalidade da compensação legal acrescida dos créditos laborais a título de férias, de subsídios de férias e de Natal, e respectivos proporcionais (calculados à data da cessação efectiva do contrato) têm de ser pagos durante esse período de pré-aviso, não podendo haver lugar, sob pena de ilicitude do mesmo despedimento[9], a atrasos e muito menos a “prestações”, menos ainda anuais; – Claro que os trabalhadores atingidos pelo despedimento têm, obviamente e dada a sua situação de desemprego involuntário, direito ao subsídio de desemprego; – Os trabalhadores que queiram impugnar judicialmente o despedimento colectivo (para o que têm um prazo máximo de 6 meses), têm forçosamente que devolver à Empresa, e assim que o recebam, a totalidade do valor da compensação de antiguidade colocada à sua disposição, sob pena da (verdadeiramente bárbara) solução legal de se entender que, não fazendo tal devolução imediata, aceitaram o dito despedimento e, logo, ficaram impossibilitados de posteriormente o impugnarem[10]. |
Em suma, todas as manobras de chantagem, de manipulação da opinião pública ou de tentativa de culpabilização e co-responsabilização dos trabalhadores devem ser firmemente combatidas e repudiadas e todos os argumentos falsos ou inexistentes por parte da empresa devem ser denunciados e rebatidos até ao fim.
Não nos devemos esquecer de que é a firmeza perante a chantagem que normalmente compensa (ceder face a ela é que certamente que não…) e os organismos representativos dos trabalhadores, dos vários sindicatos à CT, devem empenhar-se, antes de tudo e acima de tudo, não em procurarem merecer elogios por parte da Administração e do Governo, mas sim em plenamente assumirem as suas responsabilidades e exercerem as suas atribuições e competências legais em defesa daqueles que lhes incumbe representar e defender: os trabalhadores da TAP!
António Garcia Pereira
[1] O art.º 106º nº1, do Código do Trabalho, impõe ao empregador esse dever de informação.
[2] Consagrado no art.º 129º, nº1, al. b) do Código do Trabalho.
[3] Proibido e punido pelo artº 29º do mesmo Código do Trabalho.
[4] Designadamente do Supremo Tribunal de Justiça e das Relações, nomeadamente de Évora e Guimarães.
[5] Por exemplo, com a inclusão de trabalhadores no despedimento colectivo porque eles não quiseram assinar um documento (RMA ou outro) de que eles discordam por considerarem não ser conforme aos seus legítimos interesses e que a empresa lhes pôs à frente para eles assinarem, sem discussão nem negociação.
[6] Tal como estipulado no art.º 360º, nºs 1 e 2 do Código do Trabalho.
[7] Prevista no art.º 361º do Código do Trabalho.
[8] Que, nos termos do art.º 363º do Código do Trabalho, varia com a antiguidade e, por exemplo, para os trabalhadores com mais de 10 anos de antiguidade, é de 75 dias.
[9] Art.º 383º, al. c) do Código do Trabalho.
[10] Art.º 366º, nº 4 e nº 5, do Código do Trabalho.
[…] 24/06/2021 – Contra a intimidação e manipulação na TAP (com sugestões para os trabalhadores) […]
Pelo que li parece ser evidente uma certa promiscuidade entre pelo menos um sindicato e a administração TAP/Governo.
Os associados dos respectivos sindicatos terão de se informar o melhor que puderem (ser proactivos) antes de escolher os seus dirigentes! Os líderes sindicais poderão ser o resultado da complacência, apatia e desinteresse dos associados ou por outro lado o resultado do envolvimento activo dos associados no seu sindicato.
Ter uma direcção sindical independente, isenta e combativa dependerá sempre e sobretudo do carácter dos associados.