Não, não vou falar do que me dói. Dói-me o tempo. O resto dói por dentro. Dói-me este tempo no qual caíram todas as máscaras, que divide, que desama desalmadamente. Tudo e todos. O tempo que faz o cérebro reptiliano progredir, desevoluindo.
Aquela parte do cérebro da espécie que tomou o poder sobre todas as nossas acções de medo, raiva, stress. Aquele que responde instintivamente. Já ouviram falar na evolução no nosso modo instintivo “flight or fight?” – É essa a parte que responde perante ameaças produzindo cortisol que nos dá a resposta hormonal através do sistema límbico. Reagimos lutando ou fugindo. Ou congelamos ou respondemos com raiva e descontrole das emoções. Porque falo disto hoje?
Porque vejo uma campanha a decorrer da forma mais primitiva para quem se dá ao trabalho de estudar um pouco como funciona a natureza humana, o cérebro e a evolução da espécie.
A nossa maior preocupação é hoje extravasar a reacção emocional primária de medo, de sobrevivência, de instinto, individualista, de raiva, sem pensar de forma crítica usando o que chamamos intelecto, desusando a parte do cérebro – o neocórtex – do qual depende os intrincados e complexos processos do pensamento, raciocínio e linguagem.
Por isso, em todos os lugares do planeta para onde a espécie migrou, se estabeleceu, evoluiu, criou, desenvolveu e fortificou as suas raízes, dando origem a ramos chamados cultura e tradições, durante este breve processo ao qual chamamos vida neste planeta, a sobrevivência só aconteceu porque se desenvolveu este último – o neocórtex.
Porque este nos faz entender o quanto o homo-sapiens é dependente dos outros, da comunidade, da terra, da simbiose, da solidariedade, da bondade além do mais é interdependente entre todas as vertentes da vida. Vida que não apenas é instinto, nem mais é na selva com animais predadores, não mais é “fuga ou luta” que vivemos. Agora são outros predadores contra os quais precisamos ter outra Inteligência.
Ora o que me dói é perceber que uns de nós sabem disto, estudarem bem o assunto e agora aplicam tudo o que sabem, fazendo-nos retroceder usando os meios mais mesquinhos incluindo o descaramento, continuando nos recentes confinamentos, que nos privaram de algo caro à evolução – os laços humanos. Já não sabemos estar socialmente. Nem sequer conversar.
Agravam-se as dependências com drogas, os suicídios, as doenças mentais, a solidão, a pobreza, numa linha – a incapacidade de reagir o que activa o cérebro reptiliano de sobrevivência. O medo, a ansiedade, o instinto individual sobrepõe-se. Os apelos à violência encontram assim terreno fértil.
Quem é mais desonesto intelectual e mente(mais)? Tempo de irresponsáveis, não confiáveis, genocidas, de política de terra queimada onde a gente é o que menos interessa.
Tempos sem regras, sem justiça, característica das ditaduras, das distopias, quando as leis se deitam fora e se fazem tempos sem lei. Uma estrutura de Estado obsessiva e descontroladamente desconsiderando leis. Muito menos justiça.
Um novo império, uma nova desordem mundial que diz “carreguem e preguem-se nas cruzes, em nome de um qualquer deus”. Porque conseguiram que nos esquecêssemos de que evoluímos, e neste tempo de Inteligência Emocional, Artificial e Ancestral estamos a andar para trás no uso da Inteligência Natural.
Há por aí um bando de flores da Primavera que querem contrariar o movimento, dizendo que o caminho não pode ser este. São pisados e deixados numa valeta. Outros morrem vítimas de stress. De Assange a Gaza, do Senegal à Guiné-Bissau, da Ucrânia à China, do Brasil a Portugal, da América à Argentina, de Itália à Alemanha, a fronteira está na resposta do cérebro reptiliano ao tempo presente.
A espécie só deve querer evoluir contra aqueles que mentem descaradamente para nos transformar em animais primitivos. Se deixarmos – como estamos a deixar – de usar o neocórtex cerebral, vamos-nos comer vivos.
Estes são os tempos que atravessamos. Ferro e fogo são usados para nos queimar. E ver isso acontecer-nos, dói-me.
Anabela Ferreira
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