E tudo o vento levou

Spoiler alert – Quem estiver cansado de me ler sobre estes assuntos remova-me da sua lista. Os pretos estão cansados de violência, as mulheres estão cansadas de violência, quem passa fome e não tem abrigo está cansado de violência e o silêncio em nada ajudou.

A minha perspectiva é baseada na minha vida, nas minhas experiências, viagens, estudos e leituras. Não é a verdade, mas uma versão e parte dela. Sob a qual tomo uma posição clara, defendendo-a. Já era assim de menina e moça.

Fui mudando de opiniões sem vergonha, houve alturas que defendia a social democracia, até me encantar pelos anarquistas. E por aí fora, percebem a ideia.

Há, contudo, lados que não servem para debate e não tenho que justificar a minha posição.

Posição radical como a defesa das mulheres, das lgbtq, dos pretos e outras minorias – que têm a sua quota de responsabilidade e de pulhas – mas, ó deuses do Olimpo se estes foram colocados no estado de total subjugação económica, cultural e social e que só com radicalismo muitos conseguiram sair desse estado de sub-existência.

Receberam ajuda de quem intuiu, percebeu e se tornou radical, mesmo não sendo do grupo, porque era o lado humano para estar.

Contrariamente ao regime colonial, não pretendo colonizar ninguém. Nem pela fé nem pela autoridade, nem pela arma. Como um poeta não justifica a sua poesia eu deixo opiniões, considerações e histórias com base na minha fé.

Tal como o Padre António Vieira escolheu defender (parcialmente) os índios, em detrimento dos escravos pretos, sou selectiva. Defendo um lado.

Reconheço muito do bem do outro lado, mas enquanto não vejo justiça nem igualdade como um todo, sou radical a defender o lado mais fraco.

Em última análise porque me estou a defender. Os sinos dobram por mim quando alguém do outro lado morre como resultado da barbárie.

Ninguém deve pedir desculpa ou justificar-se por tomar posições claras. Nem que sofra ataques. Uma ideia absolutamente radical esta de defender os direitos de todos os humanos, começando por trazer para o mesmo nível quem ainda não é visto como igual.

Ou como dizia Toni Morrisson é ter de passar a vida a explicar e isto é desgastante e distrai. Pode este ser um objectivo dos detractores. Mas mesmo assim, aqueles que escolhem estas lutas, não são facilmente vencidos pelo cansaço. Como Harriet Tubman sabia que poderia salvar mais escravos se eles soubessem que eram escravos.

Estou-me nas tintas multicolores se há ódio do outro lado da barricada, os venturas de serviço, se há manipulações para me levar ao cadafalso, ou à fogueira, se há aproveitadores num ovo de serpente a aguardar atirar-me veneno, se só estou a contar uma parte da história, ou outra teoria qualquer.

Não ando a vender o sinaleiro das testemunhas de jeová, deposito aqui pensamentos, claramente radicais e tendenciosos, mas só os apanha quem quiser. Quem se sentir ofendido pode sair pela porta onde entrou.

Claro que eu sei que há pulhas e traidores em todos os lados. Como José Vilhena escreveu (na História universal da pulhice humana). Claro que sei que pretos houve que venderam os da sua tribo aos esclavagistas. Como o fizeram entre irmãos muçulmanos. Entre cristãos e judeus. Como o fez o escravo António de Angola, já depois de se ter tornado um homem livre na América, começou a comprar escravos para si (uma história que irei escrever).

Basta ver também o número de defensores do Trump e do Bolsonaro. Basta ler Hanna Arendt, sobre a banalidade do mal para perceber quantos apoiavam ideias macabras.

Com isto dito, então contem-me, isto quer dizer que a escravatura não existiu, maioritariamente levada a cabo pelo homem pele branca? Retira-lhe (à escravatura e ao racismo) o peso criminoso?

Agora os pretos vingam-se nos brancos, cometendo crimes horrendos. Pois é! Então vou pôr de lado a minha defesa dos pretos porque meia-dúzia de pulhas infringe a lei e comete delitos de vingança? E será que por causa destes últimos também devo retirar o peso do crime que foi o apartheid, a escravatura e o capitalismo?

O Feminismo como reconhecimento da existência plena dos direitos iguais para as mulheres, as mulheres e crianças vítimas de companheiros/pais violentos, os direitos do movimento LGBTQ, as vidas dos Pretos que nunca importaram, dos índios relegados a reservas, ou de todas as minorias ostracizadas, desprotegidas, relegadas para o plano da quase sub-existência, defendê-las é então ainda hoje uma ideia radical? Acham que está tudo resolvido com estes? Vivem num mundo com arco-íris, potes de ouro e unicórnios? Tudo são notícias falsas?

Terminada que está a minha declaração de interesses, concluo com o horóscopo. Mercúrio.

Está retrógrado e a rede finalmente discute História. Sendo eu Pitonisa, digo que se vai continuar a indignar. Também discute vândalos.

Não ainda o suficiente com aqueles que violam, batem e matam as mulheres. Não com os que comem as minhas refeições e a dignidade da vida. Não com os pretos que morrem vítima da pobreza, racismo e da brutalidade policial.

Por isso vou continuar radical, falando sobre esses assuntos.

Agora discute-se História. E bem. Os homens e mulheres – em estátuas de pedra ou de carne e osso – de todos os fenótipos e genótipos conhecidos por pulhas, ou por caridosos que marcaram um período.

Se eu fosse Albanesa andaria agora a manifestar-me contra estátuas da Madre Teresa. Se não sabem, indignem-se. Esta caridosa senhora procurava perpetuar a pobreza e recebia donativos que nunca fez chegar aos seus pobres. História factual. Investiguem.

Alguns heróis em pedra são removidos, decepados ou pichados. Tal como estes fizeram aos de carne e osso nos seus tempos.

Uns porque selectivos (gostavam mais de índios do que dos pretos), outros porque não gostavam nada de pretos ( Winston Churchill e Leopoldo da Bélgica), nem de ciganos ou deficientes e mataram essa vilanagem toda aos milhões. Outros porque passaram a detestar brancos e agora fartam-se de matar. O cheiro a sangue e a necrofilia fez sempre o seu período artístico ao longo da História da Humanidade. Vai continuar a fazer.

Dizem que Mercúrio é o planeta da comunicação. E ela aí está. Até eu recebo vídeos para me fazerem entender que os pretos também odeiam. Que as mulheres também são violentas e matam. Que há gays que odeiam e são selectivos. E eu pergunto-me: “what the fuck?”. Assim obrigam-me a escrever este pedaço de prosa.

Um dia deixarei de escrever, quando estiver morta e será este o meu legado pela passagem de Mercúrio retrógrado.

Como se fossem novidades vistas agora a olho nú por Mercúrio e um vírus. Acontece que bem e mal coexistem e a História está marcada por ambos. Falta reconhecer quem subjugou quem, quem invadiu, quem dominou usando a lei da bala, da pichagem, da cabeça cortada. Sempre por razões económicas, territoriais e de segurança, para a tribo mais forte. Tristemente tem sido esta a História.

Agora finalmente discute-se uma romaria de personagens da história universal. Uma romaria de ódios que estavam embrulhados de presente, em microplásticos, para quando viesse uma quarentena e astros a virarem as costas uns aos outros.

“O meu ódio é melhor que o teu. Aqueles também são racistas. E já viste este meu ódio, já viste? Não percebes que este não quis fazer mal àquele? Devíamos ser todos bonzinhos”. Pois, mas não somos. E há provas.

Então para já, comecemos a comunicar. Isso é fundamental. Contem-se histórias. De todos os lados. E assumam-se erros e crimes. Fundamental. Ou como os astros vamos continuar retrógrados de costas voltadas. Somos anjos e demónios. Assumamos. Lidemos com as sombras e a luz. Do que fizemos, do que fazemos.

Há sempre aqueles que morrendo à fome até roubam para dar ao dono e recusam-se a ver e a pedir desculpa. Agora, pelo menos o choque chegou. Elegeram Bolsonaro e Trump e destaparam o balde. Estão a caminho da forca.

Se em 1939 me tivessem dito que “as vidas dos judeus importam” eu não iria acreditar que uns quantos seriam capazes de fazer o que fizeram. Mas depois aprendi. Que sirva de algum bem ver o que faz não se bater pelos direitos da espécie.

Mercúrio veio retrógrado ou tardio, mas veio. Trazer uma colisão. Dizem as más línguas no Olimpo que os donos disto tudo querem usar a divisão nesta Babel. Pois que seja. Só conheço esta forma de estar na vida. Com ideias radicais e delas fazer histórias. Mesmo que isso me divida de outros como eu.

Chama-se isto, superar estágios da evolução diz a Psicologia. Se formos avançando na adultez e não os passarmos, tendencialmente ficamos como um certo picapau amarelo. Embirrentos e cristalizados num passado imaginário. Ou ignorantes como aqueles que deixam Roma a arder enquanto tocam harpa, desculpem, berimbau gringo. Ou outros que cegos insistem em cegar o mundo. Mas o mundo somos nós e os seus problemas fomos nós que criámos. Descriemos. E criemos novos caminhos.

Assistirei quem sabe, à revolta contra os vândalos que por bondade não picharam o pé do meu herói, mas roubaram as refeições, o tecto e a dignidade dos que o ergueram como estátua.

Assistirei e farei parte dos que se indignam com o desconhecimento da História. Farei parte dos que dizem que os Portugueses não são todos racistas, mas Portugal tem racismo dentro das suas portas que estava mascarado e agora está nu.

Que existe e sempre existiu como as bruxas. Que os há, há!

Confinada em serviço há 90 dias resta-me ir acabar de escrever a história de uma mulher de nome Luiza, muçulmana, escravizada por Portugueses, comprada na Guiné-Bissau junto com o seu filho, aportada em Cabo-Verde para ser cristianizada e revendida por bom dinheiro para o Brasil. E depois…

Rum on the rocks!

Anabela Ferreira

Um comentário a “E tudo o vento levou”

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