Os tempos que correm e… não param!  (I)

Mário Jorge Neves (Foto FNAM)

Vivemos tempos conturbados que configuram uma mudança de “página” na história e que colocam desafios civilizacionais de importância decisiva para o futuro próximo.

Os chamados trinta gloriosos anos a seguir à II Guerra Mundial conduziram à criação do Estado Social que significou um grande compromisso histórico entre vários grupos sociais e entre várias correntes político-ideológicas que conduziram à diminuição clara dos níveis de pobreza e das desigualdades, bem como ao aparecimento de uma designada “ classe média”.

No entanto, desde a construção do Estado Social que diversas forças totalitárias se lançaram no objetivo de o combater através da corrente político-ideológica apelidada de neoliberalismo.

Depois da grave crise económica de 1929, grande parte dos liberais, com Keynes à cabeça, consideraram indispensável que o Estado tivesse uma intervenção direta na economia para corrigir os erros do liberalismo económico desregulado.

Aliás, nos Estados Unidos, a resposta encontrada para reerguer a economia deste país e minimizar as dramáticas consequências sociais foi o estabelecimento de um plano de recuperação económica iniciado em 1933, desenvolvido por Franklim Roosevelt com a designação de New Deal.

Este plano visou a ampliação da ação de Estado na economia ao controlar a produção e ao realizar obras públicas para empregar aqueles que tinham perdido o seu trabalho à custa da crise.

As atividades do New Deal seguiam as ideias preconizadas por John Keynes e tinham como principais características a intervenção do Estado na economia, a criação de sindicatos para facilitar as negociações entre trabalhadores e patrões, a construção de obras de infraestruturas para gerar empregos e rendimentos, estimulando o mercado consumidor, e a criação da Previdência Social para garantir um salário mínimo para idosos, inválidos e desempregados.

Em 1938, realizou-se em Paris o chamado colóquio “Walter-Lipman” para definir soluções para a ineficácia das políticas liberais face ao medo de um intervencionismo económico crescente. Foi neste colóquio que Alexander Rustow falou pela primeira vez em “neoliberalismo”.

Em 1942, foi publicado o Relatório Beveridge na Grã-Bretanha que defendeu a ideia de aumentar a intervenção direta do Estado na economia para garantir os direitos sociais mínimos para todos os cidadãos. Estes serviços seriam financiados com impostos proporcionais à riqueza.

Em 1945, Hayek publicou o livro “ O caminho da servidão” para combater as propostas do relatório Beveridge.

No combate intenso contra a política keynesiana criaram-se 3 escolas económicas.

A escola austríaca teve como principais ideólogos Ludwing Mises, Friedrich Hayek e M. Rothbard.

A escola alemã teve como principais ideólogos Wilhelm Ropke, Alexander Rustow, Walter Eucken e Franz Bohm.

Esta escola também ficou também conhecida por Escola de Friburgo ou por ordoliberalismo, dado que as suas reuniões se iniciaram em torno da revista Ordo.

Depois da II Guerra Mundial apareceu uma nova corrente: a escola de Chicago com Milton Friedman como seu principal ideólogo.

Desde 1947, Ropke , Hayek e Friedman uniram-se na Sociedade Mont Pelerin , presidida pelo Hayek, que desenvolveu uma intensa conspiração política e económica contra todas as políticas sociais.

Na sua permanente campanha contras políticas keynesianas, um dos argumentos difundidos para denegrir Keynes foi de este economista era um perigoso socialista radical.

Ora, Keynes era ideologicamente um conservador, um elitista, contrário a nacionalizações e a uma excessiva regulação económica.

Esteve sempre vinculado ao Partido Liberal britânico e foi um “produto” da Universidade de Cambridge, com a qual manteve uma estreita relação toda a sua vida.

Tinha um círculo íntimo de reflexão formado pelo grupo Bloomsbury, onde se encontravam também Lytton Strachey, Leonard e Virgina Wolf e o pintor Duncan Grant.

John Keynes liderou a delegação britânica na Conferência Bretton Woods que em 1944 pretendeu estabelecer novas regras de estabilidade das finanças internacionais depois da II Guerra Mundial e que mais tarde deu origem ao FMI e ao Banco Mundial.

Keynes, não só colocou a justificação teórica de que o Estado Social é economicamente sustentável como pôs em evidência a necessidade dele ser criado para poder manter um sistema económico baseado na iniciativa privada e na liberdade de mercado.

Era o princípio de “ proteger o capitalismo de si mesmo “ .

O anti keynesianismo concentrou-se na London School e na Universidade de Chicago.

Na essência criadora do neoliberalismo estiveram claros pressupostos ideológicos de extrema-direita, desde logo porque os seus mentores eram todos oriundos dessa área política.

No seu livro “O Liberalismo”, em 1927, Mises elogiou o fascismo italiano.

Hayek foi o primeiro a reconhecer a contraposição entre democracia e neoliberalismo  no seu livro “ o caminho da Servidão” ( bíblia do neoliberalismo).

Hayek , numa entrevista ao jornal El Mercúrio (12/4/1981) referiu que “ a minha preferência pessoal é uma ditadura liberal  e não um governo democrático onde todo o liberalismo está ausente”.

Não é por acaso que um dos assumidos emblemas ideológicos do neoliberalismo seja o “pensamento único”

Entretanto, o facto marcante e que Importa, desde logo, ter bem presente é que a experimentação prática das medidas estruturais e ideológicas do neoliberalismo só foi possível num país, como o Chile, que estava submetido a uma feroz ditadura fascista na sequência do golpe sangrento do Pinochet.

Quando Pinochet saiu do poder, em 1990, o índice de pobreza no Chile era de 40%.

Depois deste “teste” no Chile, os expoentes dinamizadores deste modelo no plano internacional foram M. Thatcher e Reagan, desenvolvendo a sua ofensiva político-ideológica violenta em quatro direções principais: completa liberalização do mercado, as múltiplas privatizações, a procura da destruição do papel dos sindicatos e a implantação de uma reforma tributária de escandalosa de proteção aos grandes rendimentos.

As últimas 4 décadas, de supremacia neoliberal, têm demonstrado de uma forma marcante que as políticas de austeridade só têm servido para aprofundar as desigualdades sociais e a exclusão social, bem como aumentar o desemprego e o número de seres humanos condenados à pobreza.

Perante uma realidade que tem sofrido profundas transformações nestas últimas décadas, que respostas gerais da parte das forças políticas que se reclamam de uma visão progressista e humanista da sociedade têm de ser encontradas para impedir um enorme descalabro político e civilizacional que tem vindo a desenhar-se?

Mário Jorge Neves, médico.

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