Rafael Marques não espera nada do actual regime português (por Telmo Vaz Pereira)

10441434_953342151343049_5098734483498437_nO jornalista e activista Rafael Marques de Morais​ referindo-se ao apelo e à petição que a Amnistia Internacional lançou sobre o seu julgamento, que começa na terça-feira em Luanda. De facto, como diz o próprio, «todos sabemos qual é o papel do Governo português sobre Angola. É de total harmonia com os interesses corruptos e autoritários deste regime». Os portugueses também sabem que o regime corrupto do passismo tem sido irmão gémeo do mafioso regime eduardista de Angola.

Rafael Marques, começa a ser julgado amanhã terça-feira, 24, no Tribunal Provincial de Luanda. O Tribunal, não há quem não saiba, é constituído por gente afecta e submetida ao poder do ditador José Eduardo dos Santos, de quem recebe ordens, não sendo pois expectável um julgamento justo.

O Rafa foi acusado de «denúncia caluniosa», por ter exposto no livro «Diamantes de Sangue» alegados abusos contra os direitos humanos na região diamantífera da Lunda-Norte, em Angola. Os queixosos são sete generais, liderados pelo mais corrupto deles, o multimilionário general e ministro de Estado e chefe da Casa de Segurança do Presidente da República, general Manuel Hélder Vieira Dias Júnior ‘Kopelipa’, e os representantes de duas empresas diamantíferas. São todos corruptos, possuidores de fortunas colossais nascidas da pilhagem dos diamantes e de outros negócios obscuros e que fazem parte do gang de Dos Santos.

Os mesmos generais kamanguistas instauraram em 2012 uma acção no mesmo sentido em Portugal, contra o autor dos ‘Diamantes de Sangue’ e também contra a editora ‘Tinta da China’ que publicou o livro, e tal como agora em Angola, foi uma tentativa de intimidação que não resultou, na medida em que os juízes portugueses não foram na conversa da “calúnia”. Uma nota da Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa diz que «o Ministério Público proferiu despacho final no inquérito respeitante à denúncia que duas sociedades angolanas – a Sociedade Mineira do Cuango e a firma Teleservice – Sociedade de Telecomunicações, Segurança e Serviços, acompanhadas dos seus sócios e legais representantes -, apresentaram contra um jornalista angolano, Rafael Marques e a legal representante da editora portuguesa Tinta-da-China, na sequência da publicação de um livro, com título ‘Diamantes de Sangue’, da autoria daquele jornalista e lançado à venda em Portugal pela referida editora, denúncia aquela relativa ao invocado cometimento de eventuais crimes de difamação». O Ministério Público concluiu que «a publicação do livro “Diamantes de Sangue” se enquadra no legítimo exercício de um direito fundamental, a liberdade de informação e de expressão, constitucionalmente protegido, que no caso concreto se sobrepõe a outros direitos».

Perante a derrota na justiça portuguesa, os mesmos generais voltaram à carga instaurando o mesmo processo de “calúnia e difamação”, contando obviamente com o facto de que a “justiça” angolana está ao serviço do gang no poder e que o resultado será desta vez diferente.

A Amnistia Internacional – e todos nós – tem toda a razão em temer que o processo não será justo, e que Rafael Marques de Morais está a ser levado a tribunal apenas por exercer o seu direito à liberdade de expressão. Aliás, ao longo deste tempo decorrido após a publicação do livro, o regime de Dos Santos tem exercido ferozmente acções de intimidação sobre as testemunhas arroladas pelo jornalista dos crimes nas zonas diamantíferas, incluindo torturas e assassínios de trabalhadores da extração mineira na região das Lundas, em Angola, cometidos por indivíduos ao serviço e às ordens dos generais.

Este “julgamento” é uma tremenda farsa, e tem como objectivo calar uma voz incómoda – a voz do mensageiro -, que corajosamente tem denunciado as barbaridades de um regime de malfeitores chefiados por José Eduardo dos Santos, que está mais interessado na acumulação da sua fortuna por via do saque, e que se está nas tintas para os direitos humanos, como qualquer reles ditador.

Como afirmou Rafael Marques – ao receber no passado dia 18 de março mais um prémio internacional, o do ‘Index on Censorship’ -, «é uma honra e um orgulho enfrentar um tal imenso poder e criar a oportunidade para que muitas das vítimas se expressem através dos relatórios que tenho vindo a elaborar ao longo dos últimos dez anos. Sairei mais resiliente deste julgamento, e fortalecido pela experiência».

A Amnistia Internacional colocou em marcha uma forte campanha a favor de Rafael Marques, articulada com as representações nacionais da Organização nos Estados Unidos – a que fará chegar um documento ao secretário de Estado John Kerry e ao presidente Obama, no Brasil endereçado à presidente Dilma Rousseff e em Portugal para o primeiro-ministro e ministro dos Negócios Estrangeiros. Paralelamente, a Human Rights Watch e outras organizações internacionais e nacionais, apoiarão a referida campanha de dimensão planetária, com outras iniciativas em todos os países de todo o mundo, nas televisões, em concertos internacionais com apoio de músicos e artistas que já se manifestaram disponíveis, realizações de palestras, mesas redondas com a imprensa, etc.

O Rafa sabe que não está só, e que somos muitos milhões que não nos calaremos enquanto não for feita justiça, e esta só pode significar a sua libertação imediata das mãos dos algozes.

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